São Paulo, Terça-feira, 15 de Junho de 1999
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ARNALDO JABOR

Florescem na mídia novos tipos nacionais

De vez em quando tudo fica preto. O Brasil se apaga como uma tela de computador e eu não entendo mais nada. Mudam as personagens, mas o enredo é sempre o mesmo nesta escola de samba de 400 anos. Periodicamente, temos de reciclar os novos tipos da nossa cultura. Vejamos os mais recentes.
Grampeadores e grampeados - Nova versão do "bem e do mal". Os grampeadores são anônimos paladinos da verdade e os grampeados são criminosos a priori. Quebra-galho para sistema jurídico inexistente.
Retroinquisidores - Justiça em "flash back": desenterrar PC, Suzana e Ana Elizabeth; um dia chegaremos de novo a Dana de Teffe e a Pinheiro Machado.
Nicolaus - Juízes que estão fazendo a tão necessária reforma do Judiciário, usando mármores italianos, bronze, cristal, ouro, carros importados, Miami, imobiliárias sem-vergonha e genros rancorosos.
Somadas as últimas reformas, em Pernambuco, São Paulo e outros Estados, já temos a marca invejável de R$ 1 bilhão de gastos com o dinheiro nosso, os réus.
Ladrões purificados - Homens que se limpam tomando banho de CPI, que comandam com gestos heróicos para serem esquecidos.
Escandalizados de carteirinha - Gente que ganha status de sério e "útil" e sobe na vida apenas dizendo "que horror" e "esse país não tem jeito" . O mesmo que "militante imaginário", apud J.A. Giannotti.
Casa da Mãe Joana - Sede da democracia brasileira atual. Nela vivem os...
Amantes da mãe-pátria - Vagabundos de pijama que ganham dinheiro defendendo-a do "inimigo externo".
Fazendeiros de bundas - Jovens emergentes e espertos que cultivam uma pecuária virtual, sem ração, fertilizantes, pastagens, nada. Criam rebanhos de bundas que crescem e vencem na mídia. Muito mais lucrativo do que boi gordo.
Lacerdistas sem armas - Termo cunhado por FHC para descrever os ansiosos que pedem o golpe, desesperados por seu imobilismo "teflon".
Nova direita - A velha direita, de Prada.
Populista erudito - FHC que, na propaganda do PSDB na TV, brada indignado: "Recuso a antinomia homem-mercado. Sou contra o "social-abstrato" e a favor do concreto humano". Juro que é verdade.
Ladrões-beleza - Corruptos há tanto tempo, que já ganharam o carinho da imprensa por serem uma doce tradição nacional. São o contrário dos "íntegros suspeitos" que, por não parecerem desonestos, talvez o sejam.
Competentes impotentes - Técnicos e intelectuais PHDs que não conseguem trabalhar porque a Constituição de 88 não permite.
Progressistas reacionários - Lutam contra tudo o que o Executivo quer. Há 20 anos só pensavam nas reformas de base. Hoje, só pensam nas "bases", sem reformas.
Laranja - Elizette de Souza, faxineira, 31 anos, parda, moradora em Diadema, que enviou US$ 43 milhões para o exterior pela CC5.
Clérigos cantantes - Retaliação do marketing católico aos evangélicos do barulho. Seduzem multidões. Breve, teremos "Strip-teases sagrados", "Freiras do Tchan" e sauna gay "Caminho de Deus".
Produtores de eventos - Jornalistas que produzem a história das irrelevâncias nacionais, de modo que esqueçamos da história principal, muito complexa para gerar notícia. Afinal de contas, "o povão não entende..."
Esquartejadores imunes - Fugitivos da Justiça que matam, esfolam e depois se escondem no valhacouto do Congresso.
Social-democrata - Espécie rara de tucano, do qual o melhor exemplo é Mário Covas.
Cafetões de fim de século - Canalhas eufóricos com a crise das ideologias. Qualquer sordidez é um "hype" contemporâneo, qualquer ética é "bobagem modernista".
Miseráveis "déjà vu" - Os chatos dos "excluídos", sempre falando em casa, comida e hospital. Se antes provocavam compaixão, hoje provocam tédio nos pós-modernos.
E por aí vai o Brasil, descendo a ladeira.


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