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RESENHA DA SEMANA
Luto literário
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
Denis Johnson , 50, vem
se impondo desde o sucesso de seu livro de contos "Jesus"
Son" (1992; adaptado para o cinema em 99, com Holly Hunter
e Dennis Hopper no elenco), como uma das vozes mais originais da literatura americana
atual. O que não significa que
sua prosa não seja problemática.
Uma prosa de vocação visionária, nos rastros de William Blake
e Walt Whitman (Johnson também é poeta), só que num tempo em que as visões tendem a
ser ridículas.
Johnson escreve nesse limite,
insistindo em abrir, nem que seja à força, uma janela para uma
visão que já não é possível. É o
que torna sua prosa especial,
uma mistura de ironia, terror e
fantasia prestes a emergir na superfície das experiências mais
cotidianas e prosaicas. Um escritor quase religioso (mas sem
Deus), nem que seja somente
por insistir em procurar, por
trás da violência e da obtusidade
do mundo, um sentido que, incorporando o bem e o mal, dê
uma explicação ao que não tem.
"The Name of the World" (O
Nome do Mundo), recém-lançado nos EUA, confirma a excepcionalidade dessa prosa que,
embora muitas vezes rebuscada
em suas imagens e metáforas,
tempera a exaltação visionária
com um equilíbrio perfeito entre humor e melancolia.
O narrador é um professor
universitário que perdeu mulher e filha recentemente num
acidente de automóvel: "Quando digo recentemente, não estou
falando como quem pode ter
comprado um carro recentemente, ou visto um filme recentemente. Estou falando como se
falasse sobre a recente mudança
climática da Terra".
É curioso, então, que a narrativa do seu luto seja engendrada
progressivamente pela ironia.
Quatro anos depois de perder a
mulher e a filha pequena, o narrador segue como um morto
ambulante e a ironia de sua percepção é a única coisa que o
mantém ligado à vida.
A solidão do narrador é tão
absoluta que ele chega a entabular conversas imaginárias e nutrir amizades com indivíduos
que vê no seu cotidiano sem
nunca ter lhes dirigido uma única palavra. As poucas pessoas
que encontra de verdade lhe falam de mortos, de pessoas que
perderam, como se o luto do
narrador tivesse sido projetado
no mundo. Um solipsismo em
que a ironia é a única fronteira
visível que lhe resta para separar
a sua imaginação do real.
Refratário aos jogos políticos e
às pequenezas do poder na academia, o professor sabe que tem
os dias contados na universidade do Meio-Oeste americano,
perdida entre comunidades religiosas e milharais, onde leciona
história. Vive em suspenso, numa espécie de intervalo afetivo e
profissional.
Num dos jantares de professores a que é convidado, conhece
uma estudante que atende pelo
estranho nome de Flower Cannon e que ele vai reconhecer
mais tarde, surpreso, num show
de striptease.
Flower é o centro para o qual a
narrativa do romance converge:
a moral da história. Tem o
hobby de colecionar exemplos
de caligrafia, que depois guarda
em envelopes fechados dentro
de uma caixa. Faz parte do seu
projeto artístico. Ela pede ao
professor que escreva uma frase
para a sua coleção. E ele, inadvertidamente, escreve: "o nome
do mundo".
"Queria poder ver as frases
que os outros escreveram. Estava certo de que ela levava cada
um de nós a um ponto em que
deixávamos vazar uma gota de
essência -uma coisa delicadamente insana, nada domesticada", diz o narrador.
Flower conta a ele como adotou aquele nome tão estranho
depois de passar por uma experiência infantil que soa aterrorizante para quem a escuta, mas
que ela relata como se tivesse sido apenas um sonho tranquilo:
"O que ligava essas palavras nos
lábios de Flower ao acidente que
matou a minha família?", se pergunta o narrador.
O que ela lhe revela, com seus
atos e suas palavras, é a vida como performance artística e a literatura como relato, documento dessa performance. Mostra
que a poesia depende dos olhos
de quem lê. E que será somente
ao dar um nome ao mundo que
o narrador conseguirá por fim
consumar o seu luto.
The Name of the World
Autor: Denis Johnson
Editora: HarperCollins
Quanto: US$ 22 (131 págs.)
Onde encomendar:
www.amazon.com., www.bn.com
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