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"A VIDA DOS INSETOS"
Metamorfose é metáfora da Rússia atual
MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Uma sátira ao programa espacial russo, outra à cultura
da Rússia pós-União Soviética,
outra ao relacionamento entre
russos e americanos. De sátira em
sátira, Victor Pelevin, 36, tornou-se uma das sensações da literatura
russa contemporânea.
"A Vida dos Insetos", lançado
agora no Brasil a partir de tradução norte-americana (e não do
original russo), dá provas disso.
No romance, Pelevin monta uma
engenhosa fábula em que homens
se transformam em insetos e estes
novamente em humanos, numa
metamorfose das mais convincentes, naturais e divertidas.
A história se passa na hoje república autônoma da Criméia (ao
sul da Ucrânia), num hotel de veraneio e nas redondezas do mesmo. A "história" é, na verdade,
mais de uma -são 15 capítulos
que se inter-relacionam mas
mantêm independência de enredos.
No primeiro, os protagonistas
são os russos Arnold e Arthur,
dois homens de negócios interessados em convencer o americano
Sam Sacker a investir na Rússia.
Mas os personagens são também
(ou na verdade) mosquitos.
O nome do mosquito americano, "Sam Sacker", não deixa de
ser uma alusão ao "tio Sam" sugador de sangue e explorador do
Terceiro Mundo e de uma Rússia
desmantelada -o nome "Sacker" está muito próximo da palavra inglesa "sucker", que significa
"chupador", "sugador".
"Não faz muito tempo estive no
México", o mosquito Sam explica
a seus companheiros russos, "e
não há como comparar. O mundo
natural lá é tão rico (...). Às vezes,
a gente tem que passar anos vagando pelo chaparral do peito até
encontrar um bom lugar para saciar a sede. E não se pode baixar a
guarda nem um momento, senão
pode cair um piolho do mato nos
pêlos da cabeça da gente e aí... (...)
Devo confessar que prefiro o Japão. (...)"
No capítulo seguinte, dois escaravelhos (insetos que vivem de
excrementos de mamíferos herbívoros) são antropomorfizados
em pai e filho, estando o primeiro
a passar para o segundo certas lições filosóficas sobre a existência
- especialmente a de que "a finalidade da vida é empurrar a bosta
à nossa frente".
E assim Pelevin prossegue na
sua alegoria animal que remonta
a Ovídio e remete a Kafka. Numa
crítica evidente à estrutura social
e econômica da Rússia, o narrador conclui, falando de seus insetos-homens: "na terra, a vida continuava seu vaivém monótono,
com miríades de insetos de diferentes cores a se arrastarem pelo
chão, cada qual empurrando sua
esfera de bosta".
Entre os protagonistas que são
simultaneamente homens e insetos estão a mulher e formiga Marina e sua luta cotidiana por casa e
comida, o artista conceptual Maxim, que fuma maconha com seu
amigo e também inseto Nikita, o
engenheiro de computação e cigarra Seryoza, que deixa crescer o
bigode e é confundido com uma
barata.
Victor Pelevin, que vive em
Moscou, já publicou três romances, (entre os quais "Omon Ra" e
"Yellow Arrow") e algumas coletâneas de contos. "The Blue Lantern and Other Stories" (A Lanterna Azul e Outras Histórias) recebeu, em 1993, o Littyle Booker
Prize, o mais importante prêmio
literário russo.
A Vida dos Insetos
Jizn Nassekomykh
Autor: Victor Pelevin
Tradução: Lia Wyler
Editora: Rocco
Quanto: R$ 20 (184 págs.)
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