São Paulo, sábado, 15 de julho de 2000


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"A VIDA DOS INSETOS"
Metamorfose é metáfora da Rússia atual

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Uma sátira ao programa espacial russo, outra à cultura da Rússia pós-União Soviética, outra ao relacionamento entre russos e americanos. De sátira em sátira, Victor Pelevin, 36, tornou-se uma das sensações da literatura russa contemporânea.
"A Vida dos Insetos", lançado agora no Brasil a partir de tradução norte-americana (e não do original russo), dá provas disso. No romance, Pelevin monta uma engenhosa fábula em que homens se transformam em insetos e estes novamente em humanos, numa metamorfose das mais convincentes, naturais e divertidas.
A história se passa na hoje república autônoma da Criméia (ao sul da Ucrânia), num hotel de veraneio e nas redondezas do mesmo. A "história" é, na verdade, mais de uma -são 15 capítulos que se inter-relacionam mas mantêm independência de enredos.
No primeiro, os protagonistas são os russos Arnold e Arthur, dois homens de negócios interessados em convencer o americano Sam Sacker a investir na Rússia. Mas os personagens são também (ou na verdade) mosquitos.
O nome do mosquito americano, "Sam Sacker", não deixa de ser uma alusão ao "tio Sam" sugador de sangue e explorador do Terceiro Mundo e de uma Rússia desmantelada -o nome "Sacker" está muito próximo da palavra inglesa "sucker", que significa "chupador", "sugador".
"Não faz muito tempo estive no México", o mosquito Sam explica a seus companheiros russos, "e não há como comparar. O mundo natural lá é tão rico (...). Às vezes, a gente tem que passar anos vagando pelo chaparral do peito até encontrar um bom lugar para saciar a sede. E não se pode baixar a guarda nem um momento, senão pode cair um piolho do mato nos pêlos da cabeça da gente e aí... (...) Devo confessar que prefiro o Japão. (...)"
No capítulo seguinte, dois escaravelhos (insetos que vivem de excrementos de mamíferos herbívoros) são antropomorfizados em pai e filho, estando o primeiro a passar para o segundo certas lições filosóficas sobre a existência - especialmente a de que "a finalidade da vida é empurrar a bosta à nossa frente".
E assim Pelevin prossegue na sua alegoria animal que remonta a Ovídio e remete a Kafka. Numa crítica evidente à estrutura social e econômica da Rússia, o narrador conclui, falando de seus insetos-homens: "na terra, a vida continuava seu vaivém monótono, com miríades de insetos de diferentes cores a se arrastarem pelo chão, cada qual empurrando sua esfera de bosta".
Entre os protagonistas que são simultaneamente homens e insetos estão a mulher e formiga Marina e sua luta cotidiana por casa e comida, o artista conceptual Maxim, que fuma maconha com seu amigo e também inseto Nikita, o engenheiro de computação e cigarra Seryoza, que deixa crescer o bigode e é confundido com uma barata.
Victor Pelevin, que vive em Moscou, já publicou três romances, (entre os quais "Omon Ra" e "Yellow Arrow") e algumas coletâneas de contos. "The Blue Lantern and Other Stories" (A Lanterna Azul e Outras Histórias) recebeu, em 1993, o Littyle Booker Prize, o mais importante prêmio literário russo.


A Vida dos Insetos Jizn Nassekomykh     Autor: Victor Pelevin Tradução: Lia Wyler Editora: Rocco Quanto: R$ 20 (184 págs.)




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