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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Joshua Bell encena o espetáculo da música
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O preconceito contra o virtuosismo continua vigorando entre as melhores platéias de música de concerto. Mas quase
tudo na sentença acima merece,
agora, revisão: virtuosismo, melhores platéias, música de concerto. Um recital como o do violinista Joshua Bell, terça-feira passada
no BankBoston, serve de emblema do que pode ser a inteligência
musical a favor do espetáculo, e o
espetáculo a favor da música.
Quem começa um concerto tocando a "Chaconne" de Bach
(1685-1750) já faz erguer 250 pares
de sobrancelhas. É uma peça que
os outros habitualmente tocam
no fim, não no começo. Mas para
um músico desse nível, e dessa geração -33 anos-, a lógica do espetáculo mudou.
Se alguém toca a "Chaconne" de
saída, como ele, é porque 1) não
está lá para brincar nem veio só
para exibir suas habilidades; 2) ao
mesmo tempo, esbanja habilidades incríveis e faz uso delas com
naturalidade e pertinência, justamente no que o repertório tem de
mais elevado.
A pergunta três seria: depois
disso, o quê? Resposta inesperada: a "Fantasia em Dó Maior", para violino e piano, de Schubert
(1797-1828). Quase meia hora de
música, um labirinto sonoro, típico dos últimos anos da curtíssima
vida do compositor -em que a
curtíssima vida se traduz em sabedoria.
Em entrevistas, Bell fala nos violinistas Nathan Milstein e Henryk
Szering como modelos. Assim como eles, tem um ideal de expressão direta, mas não agressiva; vai
do agudíssimo e pianíssimo mais
transcendental aos baixos calorosos e concretos sem perder jamais
a continuidade nem forçar dinâmicas. No que foi compreendido
e ajudado pelo excelente pianista
inglês Simon Mulligan.
Pergunta quatro: e depois disso,
então? Intervalo.
Na segunda parte, um programa mais leve. Começando com a
blueseira "Sonata nš 2", de Ravel
(1875-1937), irmã mais velha, bem
mais tímida, do "Concerto em Sol
Maior" para piano e orquestra.
Depois, dois bis por antecipação:
a "Melodia" da ópera "Orfeu e
Eurídice" de Gluck (1714-87), que
Bell tocou explorando a pura beleza dos agudos de seu Stradivarius; e "La Fille Aux Cheveux de
Lin", de Debussy (1862-1918), para mostrar o que pode, o que quer
essa melodia.
Finalmente, grande surpresa, a
"Fantasia sobre Temas de "Carmen'", de Pablo Sarasate (1844-1908). Surpresa porque é o tipo de
peça para qual até pouco tempo a
gente torceria o nariz. Do ponto
de vista formal, ela se aproxima
da salada.
Mas isso seria ouvir Sarasate
com ouvidos de Beethoven. O que
está em jogo aqui não é o hegeliano "puro jogo das formas". É a
música do instrumento, um espetáculo vivo da arte em cena, com
todos os elementos da mais alta filosofia travestidos de palhaço e
arlequim.
Que Joshua Bell, nessa noite, tenha chegado ao máximo de si na
"Fantasia" não diminui seu Bach
ou Schubert, nem seu Ravel. Dá a
medida, por outro lado, do que
pode ser o espetáculo da música,
sem concessões, na era da concessão e do espetáculo.
Joshua Bell
Onde: Espaço Cultural BankBoston (av.
dr. Chucri Zaidan, 246, Vila Cordeiro,
região oeste, São Paulo; tel. 0/xx/11/
3081-1911)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: R$ 26 (clientes) e R$ 40 (p/
estudantes R$ 20)
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