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São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 2003

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MÚSICA

Artista, que ganhou notoriedade com o projeto "Buena Vista Social Club", tinha 95 anos e mais de cem clássicos

Cuba perde lirismo de Compay Segundo

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O fim de semana levou embora o son da calle Salud. Compay Segundo, morador ilustre de uma rua de Havana chamada Saúde, morreu na madrugada de domingo aos 95 intensos anos de idade.
Um dos modeladores de gêneros musicais como o son, o astro cubano foi vítima de uma insuficiência renal, que já vinha debilitando nos últimos meses sua aparentemente infinita energia vital.
Máximo Francisco Repilado Muñoz, como foi batizado, tinha feito de tudo desde que apareceu ao mundo na cidadela de Siboney, na costa cubana, em novembro de 1907, filho de dois camponeses.
Em entrevista à Folha no início do ano passado, quando veio ao Rio de Janeiro lançar um disco e fazer de garoto-propaganda de um cigarro, disse que morrer era a única coisa que não havia provado da vida. O disse exibindo o largo sorriso que parecia não destacar nunca do rosto e com a voz barítona que o mundo todo conhecera nos últimos dez anos.
Segundo, apelido que ganhou ao assumir a segunda voz do duo Los Compadres no início dos anos 40, só chegara ao estrelato, a história é sabida (mas nem sempre sábia), com o disco e depois documentário "Buena Vista Social Club", no final dos 90.
Nessas alturas do campeonato, o músico já era história. Nos anos 20, inventara um popular instrumento chamado harmônico, violão de sete cordas, e compusera mais de cem hits cubanos, como "Chan-Chan" ("hino" de "Buena Vista") e "Macusa", que fez para sua primeira namorada.
As mulheres, aliás, eram parte do tripé existencial de Compay. Aos 95 anos, dizia em tom de galhofa a quem quisesse escutar, que tinha cinco filhos e que ainda faria o sexto. Sua última mulher, de quem se divorciara em 2002, tinha 42 anos. O "viagra" caseiro do trovador, dizia, era "muito romantismo, flores e pescoço de galinha (de preferência frito)".
Suas outras duas paixões eram, claro, a música e o charuto.
Segundo contava que seu primeiro "habano" fumou logo aos cinco anos, presente de sua avó. "Ela durou até os 116 anos, e eu era o seu favorito", disse à Folha baforando um Romeo y Julieta.
Foi o charuto quem lhe segurou as pontas quando sua música foi abafada nas duas primeiras décadas de Revolução Cubana (e diz a lenda que ele teria entregue um Monte Cristo nas mãos de Che Guevara no dia D dessa história).
Compay enrolou charutos décadas de 60 e 70 afora. Nos 80 e 90, de volta à música, conseguiu algum reconhecimento em países como Espanha e França, antes do boom "Buena Vista". Seu melhor disco é também tardio: "Calle Salud" (Warner), de 1999. Nesse álbum de lirismo rascante, Segundo cantava "Meu amor é puro como o sol, amor gigante".
Músico do amor demais, ele será enterrado hoje em Santiago de Cuba, em ataúde coberto por seu tradicional chapéu e por ramos de flores igualmente brancas.


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