|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Artista, que ganhou notoriedade com o projeto "Buena Vista Social Club", tinha 95 anos e mais de cem clássicos
Cuba perde lirismo de Compay Segundo
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
O fim de semana levou embora
o son da calle Salud. Compay Segundo, morador ilustre de uma
rua de Havana chamada Saúde,
morreu na madrugada de domingo aos 95 intensos anos de idade.
Um dos modeladores de gêneros musicais como o son, o astro
cubano foi vítima de uma insuficiência renal, que já vinha debilitando nos últimos meses sua aparentemente infinita energia vital.
Máximo Francisco Repilado
Muñoz, como foi batizado, tinha
feito de tudo desde que apareceu
ao mundo na cidadela de Siboney,
na costa cubana, em novembro de
1907, filho de dois camponeses.
Em entrevista à Folha no início
do ano passado, quando veio ao
Rio de Janeiro lançar um disco e
fazer de garoto-propaganda de
um cigarro, disse que morrer era a
única coisa que não havia provado da vida. O disse exibindo o largo sorriso que parecia não destacar nunca do rosto e com a voz
barítona que o mundo todo conhecera nos últimos dez anos.
Segundo, apelido que ganhou
ao assumir a segunda voz do duo
Los Compadres no início dos
anos 40, só chegara ao estrelato, a
história é sabida (mas nem sempre sábia), com o disco e depois
documentário "Buena Vista Social Club", no final dos 90.
Nessas alturas do campeonato,
o músico já era história. Nos anos
20, inventara um popular instrumento chamado harmônico, violão de sete cordas, e compusera mais de cem hits cubanos, como
"Chan-Chan" ("hino" de "Buena
Vista") e "Macusa", que fez para
sua primeira namorada.
As mulheres, aliás, eram parte
do tripé existencial de Compay.
Aos 95 anos, dizia em tom de galhofa a quem quisesse escutar,
que tinha cinco filhos e que ainda
faria o sexto. Sua última mulher,
de quem se divorciara em 2002, tinha 42 anos. O "viagra" caseiro do
trovador, dizia, era "muito romantismo, flores e pescoço de galinha (de preferência frito)".
Suas outras duas paixões eram,
claro, a música e o charuto.
Segundo contava que seu primeiro "habano" fumou logo aos
cinco anos, presente de sua avó.
"Ela durou até os 116 anos, e eu
era o seu favorito", disse à Folha
baforando um Romeo y Julieta.
Foi o charuto quem lhe segurou
as pontas quando sua música foi
abafada nas duas primeiras décadas de Revolução Cubana (e diz a
lenda que ele teria entregue um
Monte Cristo nas mãos de Che
Guevara no dia D dessa história).
Compay enrolou charutos décadas de 60 e 70 afora. Nos 80 e 90,
de volta à música, conseguiu algum reconhecimento em países
como Espanha e França, antes do
boom "Buena Vista". Seu melhor
disco é também tardio: "Calle Salud" (Warner), de 1999. Nesse álbum de lirismo rascante, Segundo
cantava "Meu amor é puro como
o sol, amor gigante".
Músico do amor demais, ele será enterrado hoje em Santiago de
Cuba, em ataúde coberto por seu
tradicional chapéu e por ramos de
flores igualmente brancas.
Texto Anterior: Música erudita/crítica: Joshua Bell encena o espetáculo da música Próximo Texto: Literatura: Canções do exílio Índice
|