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FERNANDO GABEIRA
Agora somos todos paulistas
Um controle situacional das prisões é limitado; revertida a situação, o perigo volta a existir
MERGULHADO NAS tarefas cotidianas na CPI dos sanguessugas, meu coração
está em São Paulo. Sinto-me responsável por tudo isto que acontece.
Sou um dos poucos políticos brasileiros que já foram prisioneiros e conhecem o cotidiano das cadeias, seja
pela experiência vivida, seja pelos
testemunhos das crises no sistema.
Há dois anos, procurei Nilmário
Miranda, quando era Secretário de
Direitos Humanos, e propus um
projeto para prevenir e reduzir motins nos presídios. Voltei ao tema
num encontro com o governador
Cláudio Lembo.
Minha proposta era simples. Começaria instalando uma rede de
computadores nos presídios. Formularia um questionário com perguntas a ser respondidas todos os
dias. Um centro de inteligência analisaria 20 variáveis e teria condições
de prevenir um motim, interferindo
nas condições que potencialmente o
produziriam.
Por exemplo: se estivéssemos trabalhando com denúncias constantes da presença de vidro na comida,
evitaríamos a tensão produzida por
essa variável. Gastaríamos algum dinheiro, é verdade, mas muito menos
que o dinheiro gasto, por exemplo,
em Mato Grosso e São Paulo, para
reformar presídios destruídos.
Uma das muitas fragilidades da
minha proposta era a ausência de
prática e teoria sobre esse controle
situacional das cadeias. As pessoas
perguntavam de onde havia tirado
isso, e, sinceramente, respondia: da
minha cabeça.
Com a explosão da nova onda de
violência, num dos raros momentos
em que reencontrei minha pequena
biblioteca, no Rio, fui salvo mais
uma vez por ela. Achei, ainda intocado, o livro de Richard Wortley sobre
prevenção de crimes na cadeia. Ele
contém a prática e a teoria que poderiam fortalecer minha proposta.
Os crimes que os estudos de Wortley busca prevenir são estupro e assassinato. Mas a tese é válida para
motins.
Tanto ele como eu reconhecemos
as limitações do método. Um controle situacional das prisões é escandalosamente limitado, na medida
em que, revertida a situação, o perigo volta a existir com a mesma intensidade. Ele não visa mudanças
nos prisioneiros nem aspira convertê-los por meio de algum processo
de salvação psicológica. Parte-se
apenas da modesta conclusão de
que os criminosos continuam criminosos, mas a mudança de situação
pode inibir sua atividade destrutiva.
O livro de Wortley, publicado na
série de Estudos de Criminologia de
Cambridge, traduzido em sabedoria
popular, confere com o ditado: às vezes, a ocasião faz o ladrão.
Uma das críticas que o próprio
Worley menciona à sua tese é a de
que o conjunto de estudos e medidas
proposto para a prevenção de crimes na cadeia aumenta o controle
sobre a vida dos presos, tornando o
Estado uma espécie de impiedoso
"big brother", vasculhando todos os
detalhes da vida carcerária.
Não é preciso ler Foucault para saber que a prisão já é uma situação de
controle e que, no caso de um plano
para prevenir motins, o caráter provisório é evidente. Não há projetos
idênticos nos países do Norte, porque as condições básicas foram mudadas e registraram-se raros motins
nas últimas décadas.
Quando formulei a proposta, resolvi usar os verbos prevenir e reduzir porque, nas circunstâncias brasileiras, é difícil acabar com os motins.
Quando os presos colocam condições imorais ou ilegais, a situação
em que vivem não pode ser mudada.
Mesmo no caso da existência inevitável do motim, esse controle por
um centro de inteligência poderia
anexar mapas do prédio, indicações
sobre os registros de água, estudos
sobre possíveis rotas de fuga, contatos com eventuais associações de familiares dos presos, perfis psicológicos dos líderes.
Prefiro evitar debater esse tema
com a inútil clivagem linha dura/liberais. Uma política unicamente repressiva conduz a enormes prejuízos financeiros, e isso já é um dado
importante para considerar alternativas. Muitos dirão: com o controle
que os líderes têm sobre os outros
presos, fazem motins na prisão que
quiserem, na hora que escolherem.
Aí entram minhas dúvidas. Os líderes não são onipotentes. Trabalham
com as pequenas frustrações cotidianas. Num simples raciocínio de
custo benefício, muitos podem negar apoio aos motins.
Posso estar equivocado. Gostaria
de verificar isso num processo de
discussão com as pessoas que têm
alguma experiência de cadeia. A ausência desse processo é também de
minha responsabilidade. São Paulo
dói, e, mais do que nunca, é hora de
nos declararmos paulistas.
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