São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

Eles cantam e dançam em bailes de formatura, festas, navios e até na China. E agora lutam por uma vaga na montagem brasileira de "West Side Story"

Julia Moraes/Folha Imagem
Jorge Takla, diretor e produtor da peça: "Se não vou com a cara, não entra"


mamãe eu quero ir à Broadway

O Balé da Cidade de São Paulo foi palco, por quatro dias, de uma mistura de drama e comédia envolvendo 500 pessoas -com final feliz para apenas 44 delas. O objetivo de todos: conseguir um lugar na produção de "West Side Story", o clássico da Broadway que estreará em março de 2008 e abriu teste para escolher atores, dançarinos e cantores para o elenco. A relação na disputa é de 56 candidatos por vaga. No vestibular de medicina da USP, em 2006, foram 32 candidatos por vaga.

 

Mais de 2.000 candidatos foram barrados já na leitura que os produtores fizeram de seus currículos. Os 500 pré-selecionados foram encaminhados para o teste, numa sala de balé cheia de espelhos no centro da cidade. Ensaiam as coreografias. São avaliados. Em mais de 90% dos casos, são eliminados.
 

"Agora en face", começa a coreógrafa Tânia Nardini, indicando os primeiros passos da dança. Alguns candidatos fazem cara de espanto. "Não entendo nada do que ela está falando", diz Aline Wirley, ex-integrante do Rouge, conjunto que surgiu em outro concurso, do SBT, que tinha como objetivo "criar" um grupo de jovens cantoras. Aline começou mal: "Quem ouve expressões técnicas e faz cara de espanto, a gente fica mais atento", diz a coreógrafa. "Não é obrigatório, mas a formação em balé clássico é garantia de que a pessoa tem resistência física. Para fazer um musical, tem de dançar seis apresentações por semana e não se machucar."
 

"É muita cara de pau", reclama, baixinho, o diretor e produtor Jorge Takla, numa mesa de madeira, observando as candidatas e examinando seus currículos. "Pedimos fotos de corpo inteiro. Algumas mandam imagens de outro corpo. Não é possível! Não são as mais bonitas nem as melhores dançarinas as escolhidas. Vão ficar as que se encaixam melhor no papel." Até atores conhecidos, diz ele, podem não se "encaixar". Na audição de "Chicago", conta Takla, uma atriz de novela chegou de surpresa à audição. Foi vetada por ele. "Dificilmente quem faz novela tem tempo para aulas de canto e dança", diz ele. "E é pessoal, sim. Como casamento: se não vou com a cara, não entra." A dança pára. As candidatas saem da sala. Os jurados discutem quem deve ficar para a segunda fase do teste.
 

Nos intervalos, os candidatos contam à coluna que os principais "mercados" para dançarinos e cantores no Brasil são casamentos, shows, bailes de formatura e apresentações em navios. A Ásia também é destino comum. Thiago Jansen, 27, bailarino de Belo Horizonte, passou três meses na China. "Dançava samba vestido com penas e lantejoulas. Os chineses adoram." Dar aulas é outra saída. "Tem muita gente querendo aprender dança para participar de programas de auditório como Raul Gil", diz Glaucivan Gurgel, 33, formado em canto lírico. Ele trabalhou sete meses no navio Island Escape. Cantava, dançava com os passageiros e organizava filas dos restaurantes e dos passeios. "Você ganha U$ 1.500 por mês e não paga aluguel e comida."
 

Além de ser uma "vitrine", os musicais atraem pela estabilidade. "West Side Story", uma versão moderna de Romeu e Julieta (ao invés das famílias Capuleto e o Montecchio, o casal apaixonado faz parte de gangues rivais), pagará entre R$ 4.000 e R$ 5.000 para integrantes do coro. A produção está orçada em aproximadamente R$ 5 milhões. O elenco escolhido começará a ensaiar em janeiro, dois meses antes da estréia. Serão seis ensaios semanais, cada um de oito horas.
 

A produtora Mariana Suzá vai ao encontro das moças. "Vou ler agora os números das que vão continuar." Aline é eliminada. "Quem eu não chamei está dispensada. Muito obrigada", diz Mariana. "Quem ela não chamou se f...! Volta para o Rio de Janeiro", diz a carioca Helga Nemeczyk, 26. Ela é figurante do humorístico "Zorra Total", da TV Globo. Recebe R$ 3.000 para cantar e falar vez ou outra. Com medo do apagão aéreo, veio a SP de ônibus. "Não sabia que a dança era eliminatória. Aqui tem meninas maravilhosas. A perna delas sobe na orelha", diz Helga. Das mais de 100 candidatas que começaram o dia, restam 43.
 

"Cadê a [candidata número] 154?", pergunta Takla. "Ela achou que não tinha passado e foi embora", fala uma candidata. "Por favor, achem a 154", diz Takla. Quase meia hora depois de o ensaio recomeçar, chega, ofegante, a 154. É Roberta Mazzola, 33, bailarina. Ela já estava na avenida Rebouças quando soube que continuaria. "Eu estava aos prantos quando o celular tocou", conta. "A maioria sai sorrindo e com cara de conformada. Mas depois desaba", diz.
 

À tarde os testes continuam. "Termina alface?", pergunta um candidato. "Alface? Adorei!", diz Tânia. O rapaz queria dizer "en face", que é quando o dançarino faz um movimento de frente. Depois da dança vêm os testes de canto. O candidato é observado por quatro jurados e canta acompanhado apenas por um pianista. Não vale MPB. Felipe Caczan, 25, ouve o veredicto: "Você cresceu muito desde a última vez, parabéns. Mas ainda precisa fazer uns dois anos de canto lírico", diz Takla, que já havia avaliado Felipe na audição de "My Fair Lady". É a vez de Suzana Franco. "Você diz que é "belter-sopano". O que é isso?", pergunta Takla. "Já fiz rock, jazz, pop e música espanhola." Suzana já foi vocalista de uma banda de rock progressivo, a "The Hello Kitties". Vive na Alemanha e está no Brasil a passeio. Soube do teste e resolveu arriscar. "Você tem alguma base lírica?", pergunta o maestro Luíz Gustavo Petri a ela. "Sei cantar "Ave Maria", de Gounod." Foi eliminada.
 

Roberta, a candidata 154, sobrevive. Está entre as finalistas. "Tem gente especializada em audição. Mas, na hora dos ensaios, não rende", diz Mariana Suzá, esclarecendo que Roberta ainda pode ser eliminada.


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