São Paulo, quarta-feira, 15 de julho de 2009

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Música

João Bosco "se livra de si" em álbum de inéditas

Músico inova estilo de tocar e de cantar em CD quase todo feito em voz e violão

Álbum marca a retomada da parceria de Bosco com o letrista Aldir Blanc com quem criou clássicos da MPB nas décadas de 70 e 80

MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Talvez tudo seja uma questão de vaidade. De livrar-se dela. Em "Não Vou pro Céu, mas Já Não Vivo no Chão", álbum de repertório quase todo inédito, João Bosco não soa exatamente como João Bosco.
A maneira delicada com que construiu e agora interpreta as novas canções denuncia um compositor -e um cantor- que tem ouvido mais a voz alheia do que a própria. Mais explicitamente as de outros dois Joões, Donato e Gilberto, mas também a do mestre de todos eles: Orlando Silva.
O violão explosivo, que virou a marca de Bosco e o colocou no hall dos "descobridores" do instrumento no Brasil -como Baden Powell, Jorge Ben e João Gilberto-, tornou-se manso, contido. Também desapareceu quase que por completo seu estilo de cantar, marcado por onomatopeias e vocalises.
"Tive que fazer um esforço de reeducação. Abandonar meu jeito de ser musicalmente, deixar de lado certos exercícios de interpretação que eu vinha fazendo", diz Bosco. "É como o intérprete que se esforça para desaparecer e não interferir na essência da canção, deixando que ela seja o que de fato é, sua versão mais original."
Esse processo que ele descreve, de "livrar-se de si" para que a canção se sobressaia, foi fiscalizado de perto por Francisco Bosco, seu filho e parceiro em cinco das 12 canções do álbum.
Percebendo que o pai arriscava caminho musical tão diferente do que fazia, Francisco sugeriu que a experiência fosse radicalizada e se tornasse o mote do trabalho. Bosco topou. "A partir daí, eu cantava algumas coisas e ele dizia: "Isso aí você não deve fazer, segura um pouco mais a intensidade'", lembra. "É tudo trabalhado, tem os espaços, os silêncios. Mais da metade do disco é [executado apenas com] voz e violão justamente para que isso existisse."

Retomada
Além de Francisco, o time de letristas escalado para "Não Vou pro Céu..." tem Carlos Rennó, em duas faixas, e Nei Lopes, em uma. Mas o maior mérito do álbum nesse quesito é a retomada da parceria com Aldir Blanc, a mais importante da história do artista.
À parte qualquer outra qualidade, o álbum seria um marco na carreira de Bosco só por isso. Em dupla, os dois haviam composto, entre o começo dos anos 70 e o final dos 80, dezenas de inegáveis clássicos, como "Dois pra Lá, Dois pra Cá" e "O Bêbado e a Equilibrista". Romperam no final daquela década e agora retornam com quatro canções.
Em "Plural Singular", uma delas, Aldir espalha pistas de que era hora de voltar: "Você é e sempre foi meu par/ E sem par/ O não ser virando ser".
"No exercício da vida, essas coisas acontecem: você se separa do seu melhor amigo e, de repente, tem que fazer uma caminhada diferente, sozinho", diz Bosco. "Mas jamais acreditei que isso pudesse ser definitivo. Não que a gente tivesse que voltar a fazer música. Mas nunca me passou pela cabeça que não fôssemos mais tomar uma cerveja juntos. Jamais."


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