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Música
João Bosco "se livra de si" em álbum de inéditas
Músico inova estilo de tocar e de cantar em CD quase todo feito em voz e violão
Álbum marca a retomada da parceria de Bosco com o letrista Aldir Blanc com quem criou clássicos da MPB nas décadas de 70 e 80
MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Talvez tudo seja uma questão
de vaidade. De livrar-se dela.
Em "Não Vou pro Céu, mas Já
Não Vivo no Chão", álbum de
repertório quase todo inédito,
João Bosco não soa exatamente
como João Bosco.
A maneira delicada com que
construiu e agora interpreta as
novas canções denuncia um
compositor -e um cantor-
que tem ouvido mais a voz
alheia do que a própria. Mais
explicitamente as de outros
dois Joões, Donato e Gilberto,
mas também a do mestre de todos eles: Orlando Silva.
O violão explosivo, que virou
a marca de Bosco e o colocou no
hall dos "descobridores" do instrumento no Brasil -como Baden Powell, Jorge Ben e João
Gilberto-, tornou-se manso,
contido. Também desapareceu
quase que por completo seu estilo de cantar, marcado por
onomatopeias e vocalises.
"Tive que fazer um esforço de
reeducação. Abandonar meu
jeito de ser musicalmente, deixar de lado certos exercícios de
interpretação que eu vinha fazendo", diz Bosco. "É como o
intérprete que se esforça para
desaparecer e não interferir na
essência da canção, deixando
que ela seja o que de fato é, sua
versão mais original."
Esse processo que ele descreve, de "livrar-se de si" para que
a canção se sobressaia, foi fiscalizado de perto por Francisco
Bosco, seu filho e parceiro em
cinco das 12 canções do álbum.
Percebendo que o pai arriscava caminho musical tão diferente do que fazia, Francisco
sugeriu que a experiência fosse
radicalizada e se tornasse o mote do trabalho. Bosco topou. "A
partir daí, eu cantava algumas
coisas e ele dizia: "Isso aí você
não deve fazer, segura um pouco mais a intensidade'", lembra.
"É tudo trabalhado, tem os espaços, os silêncios. Mais da metade do disco é [executado apenas com] voz e violão justamente para que isso existisse."
Retomada
Além de Francisco, o time de
letristas escalado para "Não
Vou pro Céu..." tem Carlos
Rennó, em duas faixas, e Nei
Lopes, em uma. Mas o maior
mérito do álbum nesse quesito
é a retomada da parceria com
Aldir Blanc, a mais importante
da história do artista.
À parte qualquer outra qualidade, o álbum seria um marco
na carreira de Bosco só por isso.
Em dupla, os dois haviam composto, entre o começo dos anos
70 e o final dos 80, dezenas de
inegáveis clássicos, como "Dois
pra Lá, Dois pra Cá" e "O Bêbado e a Equilibrista". Romperam
no final daquela década e agora
retornam com quatro canções.
Em "Plural Singular", uma
delas, Aldir espalha pistas de
que era hora de voltar: "Você é e
sempre foi meu par/ E sem par/
O não ser virando ser".
"No exercício da vida, essas
coisas acontecem: você se separa do seu melhor amigo e, de repente, tem que fazer uma caminhada diferente, sozinho", diz
Bosco. "Mas jamais acreditei
que isso pudesse ser definitivo.
Não que a gente tivesse que voltar a fazer música. Mas nunca
me passou pela cabeça que não
fôssemos mais tomar uma cerveja juntos. Jamais."
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