São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 2011

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MINHA HISTÓRIA JORGE MAUTNER, 70

Poeta do impulso

(...) Até os sete anos fui educado pela babá (...) Cheguei a ser preso pela ditadura (...) Essa trajetória me faz interpretar o Brasil pela forma da amálgama (...) Eu vim causar o tumulto da revolução democrática

RESUMO O cantor e escritor Jorge Mautner comemora 70 anos com um show na Casa de Francisca, em São Paulo. Além do programa no Canal Brasil, Mautner lidera uma comunidade tropicalista no Facebook, deve lançar dois CDs e um documentário sobre sua trajetória, feito por Pedro Bial.
Tudo para este ano, conforme conta para a Folha na primeira vez em que utilizou o Skype.

(...) Depoimento a
MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO
ARTUR VOLTOLINI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nasci em 1941, um mês depois de meus pais chegarem ao Rio, fugindo do nazismo. Até os sete anos fui educado por minha babá, que era filha de santo, porque minha mãe ficou paralisada por conta dos terrores do Holocausto.
Durante esse período, eu ia ao candomblé três dias por semana. Lá, minha babá me pegava no colo e dizia: "Seus pais vieram de um lugar de pessoas muito más e cruéis. Mas aqui você vai ter seus amigos". E eu adormecia no colo dela enquanto os tambores tocavam.
Em 1948, minha mãe se casou novamente e fui para São Paulo. Meu padrasto, que era violinista do Theatro Municipal, fazia bicos nas rádios acompanhando músicos como Jackson do Pandeiro e Aracy de Almeida.
Frequentei esse mundo até os 14 anos. Aos 15, fundei o partido Kaos e comecei a escrever o livro "Deus da Chuva e da Morte", publicado em 1962 e que me rendeu um Prêmio Jabuti.
Frequentei o ateliê do pintor José Roberto Aguilar até ser apresentado a Guilherme de Almeida e ao historiador Câmara Cascudo. Eles foram o meu primeiro grande foco de companhia e de filosofia.
Depois, cheguei a ser preso pela ditadura. Em 1970, fui a Londres e me aproximei de Gilberto Gil e Caetano Veloso, meus amigos até hoje.
Caetano organizava o movimento, Gil era aquele abraço, e nós trabalhávamos em unidade simultânea. Assim nasceu o tropicalismo, que foi o movimento da plenitude da cultura brasileira.
Essa trajetória me faz interpretar o Brasil pela forma radical da amálgama. Essa é a pedra fundamental do século 21. A amálgama é miscigenação, mas vai além: é ela que possibilita ao brasileiro reinterpretar tudo de novo em apenas um segundo, e mais ainda, a absorver pensamentos contrários, atingindo o caminho do meio, que era o sonho de Lao Tsé, do Buda e de Aristóteles.
É por causa dessa importância tremenda que teremos a Olimpíada e a Copa aqui.
Ou o mundo se brasilifica ou vira nazista. Até o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, é amálgama também: ele já foi pai de santo, faz descarrego. É quase umbanda!
O mundo está infinitamente melhor do que nos anos 60 e 70. Nós vivíamos as guerras e as ditaduras. Agora há todo um entusiasmo, vivemos uma independência medonha, a ponto de sacudir as tiranias ainda existentes.
Os problemas de agora são os da abundância, em contraponto à escassez daquele tempo.
Graças à internet, as notícias atingem a todos. É a proclamação universal dos direitos humanos rompendo com todas as outras ideologias.
Meus impulsos são ideológicos e poéticos. Vou a meu analista e não levo problemas, só questões trabalhistas. Mas dinheiro não é minha preocupação primeira, deve ser a 14ª.
Sempre foi assim.
Minha filha Amora, minha netinha Júlia e todos os meus amigos do peito são o que me fazem feliz. Agradeço a Deus por ter nascido no Brasil. Eu vim para causar o tumulto da revolução democrática e irradiar a importância do Brasil universal.


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