São Paulo, Quinta-feira, 15 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Peça "Cocaína" estréia em agosto

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

A cocaína, alcalóide tóxico que, estima o Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas, da USP), já foi consumido por 7,5% da população brasileira, é o tema da próxima peça da Companhia dos Insights, fundada por Maurício Lencasttre e que tem no currículo as peças "Beckett in White" (textos de Samuel Beckett), "Pavilhão Japonês" (Otavio Frias Filho) e "Uma Lição Longe Demais" (Zeno Wild).
"Cocaína" será o nome do espetáculo, dirigido por Lencasttre, cujo texto vem sendo criado durante os ensaios. No elenco, estão Cláudia Fracarolli, Arnaldo de Ávila, Paula Preta e o diretor. A trilha é de Alex Antunes. A estréia está prevista para agosto.
A companhia costuma explorar espaços alternativos ao exibir seus espetáculos -"Beckett in White" foi exibido, há cinco anos, no Casarão da Paulista e na Casa das Rosas. "Pensamos numa casa noturna ou numa boate de garotas de programa, com DJ ou banda ao vivo. Todos estarão envolvidos pela atmosfera psicológica da cocaína, como a aceleração emocional, os sentimentos amplificados e a solidão. O espetáculo tem de ser decadente, uma festa de fim de milênio", conta Lencasttre.
Não existe apreciação direta, não se defende ou condena o uso da droga. Os personagens nem irão consumi-la. São depoimentos que acompanham a rotina de um usuário. Quatro personagens, numa festa, vivem um estado de euforia emocional, que pode ter sido desencadeado pela droga.
"A peça faz uma alusão das diversas emoções implícitas pelo uso da droga. Os relatos individuais e a alucinação serão o fio condutor. Não é realista. É uma união de personagens com problemas, um relato aberto, uma metáfora da cocaína", explica.
Como conseguir apoio com um nome desse? Alguma empresa se disporia a associar sua marca à droga? "Sabemos da dificuldade de captação de recursos, apesar de não ser um espetáculo a favor ou contra a cocaína. É uma ilustração. O público é que vai analisar e tomar partido. Por enquanto, contamos apenas com um apoio da Secretaria Estadual da Cultura", diz o diretor.
Acompanhei um ensaio da peça. Os personagens estão numa festa, dançam, têm os dentes travados e os olhos esbugalhados. As falas se colam. "Tenho mania de perseguição. Quando entro num banheiro, sempre fico procurando uma câmera escondida." "Adoro som, adoro cores, eu escuto o som das cores." "Eu queria ser clonada!" "Eu me encontro onde você se escondeu... Eu quero um banheiro!" A palavra cocaína não é dita. "Adoro um beijo de poeira." "Eu estou procurando talco Johnson."
O grupo colheu depoimentos de amigos usuários e descobriu algumas coisas em comum entre os usuários, como o sentimento de estar numa festa, mas se sentir sozinho; a ligação com a turma do banheiro; e a promessa: "Amanhã, eu vou parar de cheirar".
"Todo mundo tem uma historinha surreal ou cômica para contar. Como um amigo ator, que morava num prédio e queria muito assistir à um vídeo. Depois de cheirar muito, ele pulou a janela de madrugada, andou pelo batente do prédio, entrou no apartamento do vizinho, assistiu ao vídeo e voltou", conta Lencasttre.


Texto Anterior: Rádio: Emissora toca música de protesto
Próximo Texto: Contardo Calligaris: Melancolia moral
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.