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Peça "Cocaína" estréia em agosto
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
A cocaína, alcalóide tóxico que,
estima o Grea (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e
Drogas, da USP), já foi consumido por 7,5% da população brasileira, é o tema da próxima peça da
Companhia dos Insights, fundada
por Maurício Lencasttre e que
tem no currículo as peças "Beckett in White" (textos de Samuel
Beckett), "Pavilhão Japonês"
(Otavio Frias Filho) e "Uma Lição
Longe Demais" (Zeno Wild).
"Cocaína" será o nome do espetáculo, dirigido por Lencasttre,
cujo texto vem sendo criado durante os ensaios. No elenco, estão
Cláudia Fracarolli, Arnaldo de
Ávila, Paula Preta e o diretor. A
trilha é de Alex Antunes. A estréia
está prevista para agosto.
A companhia costuma explorar
espaços alternativos ao exibir seus
espetáculos -"Beckett in White"
foi exibido, há cinco anos, no Casarão da Paulista e na Casa das
Rosas. "Pensamos numa casa noturna ou numa boate de garotas
de programa, com DJ ou banda
ao vivo. Todos estarão envolvidos
pela atmosfera psicológica da cocaína, como a aceleração emocional, os sentimentos amplificados
e a solidão. O espetáculo tem de
ser decadente, uma festa de fim de
milênio", conta Lencasttre.
Não existe apreciação direta,
não se defende ou condena o uso
da droga. Os personagens nem
irão consumi-la. São depoimentos que acompanham a rotina de
um usuário. Quatro personagens,
numa festa, vivem um estado de
euforia emocional, que pode ter
sido desencadeado pela droga.
"A peça faz uma alusão das diversas emoções implícitas pelo
uso da droga. Os relatos individuais e a alucinação serão o fio
condutor. Não é realista. É uma
união de personagens com problemas, um relato aberto, uma
metáfora da cocaína", explica.
Como conseguir apoio com um
nome desse? Alguma empresa se
disporia a associar sua marca à
droga? "Sabemos da dificuldade
de captação de recursos, apesar
de não ser um espetáculo a favor
ou contra a cocaína. É uma ilustração. O público é que vai analisar e tomar partido. Por enquanto, contamos apenas com um
apoio da Secretaria Estadual da
Cultura", diz o diretor.
Acompanhei um ensaio da peça. Os personagens estão numa
festa, dançam, têm os dentes travados e os olhos esbugalhados. As
falas se colam. "Tenho mania de
perseguição. Quando entro num
banheiro, sempre fico procurando uma câmera escondida."
"Adoro som, adoro cores, eu escuto o som das cores." "Eu queria
ser clonada!" "Eu me encontro
onde você se escondeu... Eu quero
um banheiro!" A palavra cocaína
não é dita. "Adoro um beijo de
poeira." "Eu estou procurando
talco Johnson."
O grupo colheu depoimentos de
amigos usuários e descobriu algumas coisas em comum entre os
usuários, como o sentimento de
estar numa festa, mas se sentir sozinho; a ligação com a turma do
banheiro; e a promessa: "Amanhã, eu vou parar de cheirar".
"Todo mundo tem uma historinha surreal ou cômica para contar. Como um amigo ator, que
morava num prédio e queria muito assistir à um vídeo. Depois de
cheirar muito, ele pulou a janela
de madrugada, andou pelo batente do prédio, entrou no apartamento do vizinho, assistiu ao vídeo e voltou", conta Lencasttre.
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