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São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 2003

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CINEMA

"CINCO VEZES MAURICE PIALAT"

Ciclo exibe cinco filmes do diretor francês

Mostra coloca em marcha a máquina da dor de Pialat

Divulgação
Jacques Dutronc faz o papel-título de "Van Gogh" (91), filme de Maurice Pialat que está na mostra


CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN

Antes tarde do que nunca! Uma mostra, a partir de hoje no CineSesc, dá a oportunidade de (re)conhecer a segunda metade quase completa da obra do francês Maurice Pialat, morto em janeiro deste ano, aos 77. Até terça, serão exibidos cinco filmes dessa filmografia rarefeita (dez longas em 25 anos), desde o autobiográfico "Loulou" (1980) até o antibiográfico "Van Gogh" (1991).
Irregular e imperfeito são dois adjetivos pouco supérfluos quando empregados para descrever os filmes (e a personalidade) de Pialat. Não há, na sua idéia de cinema, espaço para o encanto, muito menos para a graça. Em seus filmes, a vida é enxergada como uma máquina da dor.
Oposto à geração da nouvelle vague (cujos "autores", com a exceção de Godard, ele considerava ou artificiosos -como Truffaut- ou exibicionistas intelectualizados -como Rivette), Pialat foi buscar nos Lumière e em Jean Renoir as referências para um realismo mais preocupado em brutalizar do que em poetizar.
Dos Lumière, ele queria recuperar o não-ilusionismo, a crença no cinema como dispositivo capaz de trair a representação. Em Renoir, ele encontrou, além da confiança realista, uma moral fiel ao poder negativo dos sentimentos (aquela presente em filmes como "A Cadela" e "A Besta Humana").
Essa busca por um realismo brutal (um naturalismo, mas não no sentido negativo que esse termo é aplicado ao cinema) em que a crueza e a crueldade resultem não de truques de roteiro ou de habilidades de atores, culmina, não raras vezes, em situações extremas de agressões inclusive físicas (estimuladas ou provocadas por Pialat nas filmagens).
Na mostra, "Aos Nossos Amores" (1983) é o filme em que essa brutalidade alcança a (im)perfeição. A obra que revelou Sandrine Bonnaire (aos 15 anos) enxerga o cosmos familiar pelo seu avesso. Ou seja, como um mundo de agressões e de antipatias, de afetos simulados e de egoísmos.
Para alcançar essa "essência", Pialat tortura psicologicamente os atores, constrange-os até o ponto em que eles não mais representam situações roteirizadas e, sim, "transpiram" o tanto de vida indispensável para que o filme se torne de fato uma experiência para o espectador.
"Aos Nossos Amores" é também uma pintura geracional daqueles que se livraram dos resíduos morais da família para colocar em seu lugar o consumismo e o hedonismo como ícones (tão ou mais conservadores) de liberação.
Outro destaque da mostra é a obra-prima do diretor, "Sob o Sol de Satã" (1987), em que a predominância física dos filmes anteriores "evolui" para o metafísico (ou para o espiritual, se se preferir) sem arredar um mindinho da violência, aqui sob a forma de ascese mística.
Ao receber a Palma de Ouro em Cannes pelo filme, Pialat soltou uma de suas frases reveladoras de sua opinião sobre o mundo do cinema. Quando, sob vaias da platéia, empunhou o prêmio, disse: "Vocês não gostam de mim, mas eu também não gosto de vocês!".
Quatro anos depois, Pialat consegue realizar um projeto que cultivava desde jovem: "Van Gogh", filme antibiográfico, em que idéias como genialidade, criatividade e outros clichês "artísticos" são eliminados para mostrar o que interessa -o homem em sua miséria, em antítese aos valores "zilionários" que seus quadros alcançam nos leilões "de arte".
Na aspereza e rugosidade das pinceladas de Van Gogh e na frase do pintor -"a tristeza durará para sempre"- o espectador descobre o que Pialat procurava.


CINCO VEZES MAURICE PIALAT. Mostra com filmes do diretor francês. Onde: CineSesc (r. Augusta, 2.075, tel. 0/ xx/11/ 3082-0213). Hoje: "Loulou" (15h); "Polícia" (17h); "Sob o Sol de Satã" (19h); "Aos Nossos Amores" (21h). Até 19/8. Quanto: R$ 6.


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