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o mito da ginga
Com novo espetáculo em SP, Ivaldo Bertazzo contesta o senso comum e diz que o corpo do brasileiro é 'pesado'
ENTREVISTA IVALDO BERTAZZO
Para melhorar o corpo, é preciso mudar uma questão urbana
Projetos para público ocupar espaços incluem performance na Bienal e escola de dança na Cracolândia
Patricia Stavis - 29.jul.08/Folha Imagem
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Inauguração, em julho, da escola de teatro idealizada por Ivaldo Bertazzo na rua Vitória, no centro de SP, onde fica a Cracolândia; "Fiz porque é mais barato", diz ele
ADRIANA PAVLOVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
"O corpo do brasileiro é pesado. Ele se desloca pesadamente
de um lado para o outro." Ivaldo Bertazzo contesta a idéia do
gingado nacional com a experiência de quem, há mais de
três décadas, busca uma nova
formatação do corpo por meio
do projeto Cidadão Dançante.
No caso de São Paulo, a experiência de pôr não-profissionais para dançar, diz o coreógrafo, 59, esbarra num "problema de ocupação" da cidade.
"Para melhorar o corpo é preciso mudar uma questão urbana", avalia.
Nesse sentido, um de seus
próximos projetos é instalar
seus cidadãos-dançantes e
também os bailarinos de sua
Cia. TeatroDança no pavilhão
da Bienal de São Paulo, na performance que inaugura para o
público, no dia 26/10, a 28ª edição do evento, mais conhecida
como a "Bienal do Vazio".
"É literalmente uma invasão", diz Ivo Mesquita, curador
da Bienal. "Nós os convidamos
para, num gesto simbólico,
ocuparem o espaço da praça
que vamos montar na Bienal."
Há 30 anos, Bertazzo presenciou gesto semelhante, quando
a coreógrafa baiana Lia Robatto e sua companhia realizaram
uma intervenção na 1ª Bienal
Latino-Americana de São Paulo -que teve uma única edição
organizada pela própria Fundação Bienal no Ibirapuera.
"Foi durante a ditadura; ela
fez um trabalho de intervenção
em várias obras. Foi um dos
trabalhos que mais me marcaram", diz o coreógrafo à Folha,
no local que sediará sua nova
escola de dança (leia ao lado).
Neste segundo semestre,
Bertazzo mal consegue dormir
por conta de vários projetos
prestes a se concretizar. O primeiro é o espetáculo "É ou
Noé", com sua Cia. TeatroDança, que estréia no próximo dia
24, no Tuca, e que tem a cantora lírica Céline Imbert como
convidada (leia ao lado); em seguida, ele faz a performance de
abertura da 28ª Bienal e, depois, inaugura sua Escola de
Theatro Musical Brasileiro, em
plena Cracolândia, no centro
de São Paulo.
Num intervalo no ensaio de
seu novo espetáculo, Bertazzo
falou sobre todos esses projetos à Folha, por quase duas horas. Leia trechos a seguir.
O NÓ DO CORPO DO BRASILEIRO
Estamos abaixo dos trópicos,
submetidos à gravidade, então
nosso corpo achata mais. A
pressão da gravidade é mais
forte. E falta cultura nacional
de corpo. A gente se apóia em
coisas perigosas, como a idéia
de que o brasileiro é sensual e
tem gingado. O brasileiro é extremamente bobo no plano da
coordenação. Coordenação
motora é educação. O corpo do
brasileiro é pesado, ele anda se
deslocando pesadamente de
um lado para o outro. Para melhorar o corpo, é preciso mudar
uma questão urbana, de ônibus, metrô, deslocamento por
boas calçadas, além da proteção
à violência. Aí o corpo cresce. A
gente quer que Jesus salve, mas
ele deve estar no Iraque. Ele
não vai salvar a nossa postura.
28ª BIENAL
O público chega no dia da inauguração e vários grupos -não
só o meu, mas também os cidadãos-dançantes, músicos- vão
chegando. Tem que pensar em
"Kagemusha - A Sombra do Samurai" [filme de Akira Kurosawa], em Toshiro Mifune [ator
japonês], no próprio Kurosawa:
a guerra vem chegando, esta
antropofagia de linguagens.
Tem um público que chega, e os
grupos vão saindo do meio daquela floresta, com bandeiras,
invadindo. E qual é o medo que
poderá causar para estar na
Bienal? A luta de linguagens. Se
a linguagem não está uma em
cima da outra, brigando, para
que servem as linguagens?
GUERRA
Fiquei honrado com o convite,
mas não tenho de ser eu o único
representante. Nosso sonho é
que os artistas da Bienal façam
as bandeiras que vão chegar
neste dia. É a guerra mesmo.
Lata com pedrinhas, sons horrorosos, e aí você começa a ver
no meio da floresta do Ibirapuera as bandeiras chegando.
As bandeiras serão fixadas na
Bienal durante as seis semanas
de evento. Você tem assim a
participação lá dentro de um
artista que fez sua arte e criou
estruturas para o povo chegar.
Não dá mais para espaço cultural não ser usado pelas pessoas.
AULAS
A curadoria da Bienal prevê várias ocupações. Eu, particularmente, vou ter um ateliê do cidadão-dançante, onde todo dia,
às 12h, haverá uma aula de civilidade. Sou um pedaço de muitos projetos. Sou mais um coordenador do evento de abertura.
No dia-a-dia, dois membros da
companhia estarão lá para uma
aula de organização corporal.
VAZIO?
Caguei se está vazio. Pelo menos tem o prédio. A gente quer
que o cidadão ocupe o espaço
urbano com o seu corpo. A gente não tem grandes linhas de
metrô, acaba vindo de carro. A
ocupação da cidade com o corpo ainda é pequena, não é como
a gente gostaria. Na Bienal, vamos mostrar um uso do espaço
público com o corpo, vamos dar
acesso ao corpo, brincar, com
respeito e civilidade. Fui convidado porque sei mexer com o
cidadão de um jeito urbano...
DINHEIRO
Se você estabelece o quanto ganha, não importa onde se apresenta. O aculturado que sonha
em morar no exterior faz um
espetáculo em Catanduva e
acha que é menor. A dona Pina
Bausch [coreógrafa alemã] cobra o preço dela e faz o mesmo
espetáculo em qualquer lugar.
A gente tem essa patrulha de
"quanto ganha". Sempre ganhei bem. Meus projetos da Lei
Rouanet já foram massacrados.
E, hoje em dia, não faço nada
em que tenha de mudar uma
nota. Ganhar não é pejorativo.
ESCOLHA DA CRACOLÂNDIA
Vou ser sincero. Esse é um espaço que está barato. E permite
ocupação. Está barato porque
traz dificuldades paralelas de
conforto, de bem-estar, de segurança. O bailarino sai daqui
no fim do dia sob tensão. Só
que, quando você diz à imprensa que está fazendo a sua parte,
cobrindo espaços, vem uma
resposta preciosa. Não quero
ser demagogo, comecei porque
é barato. Não vou dizer que vim
para cá para fazer minha parte
na sociedade. Mas é também é
uma região onde o governo tem
interesse de fazer investimentos culturais. Até agora não me
ajudaram em nada, mas pode
ser que venham a me ajudar.
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