São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 2008

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o mito da ginga

Com novo espetáculo em SP, Ivaldo Bertazzo contesta o senso comum e diz que o corpo do brasileiro é 'pesado'

ENTREVISTA IVALDO BERTAZZO

Para melhorar o corpo, é preciso mudar uma questão urbana

Projetos para público ocupar espaços incluem performance na Bienal e escola de dança na Cracolândia

Patricia Stavis - 29.jul.08/Folha Imagem
Inauguração, em julho, da escola de teatro idealizada por Ivaldo Bertazzo na rua Vitória, no centro de SP, onde fica a Cracolândia; "Fiz porque é mais barato", diz ele

ADRIANA PAVLOVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

"O corpo do brasileiro é pesado. Ele se desloca pesadamente de um lado para o outro." Ivaldo Bertazzo contesta a idéia do gingado nacional com a experiência de quem, há mais de três décadas, busca uma nova formatação do corpo por meio do projeto Cidadão Dançante. No caso de São Paulo, a experiência de pôr não-profissionais para dançar, diz o coreógrafo, 59, esbarra num "problema de ocupação" da cidade. "Para melhorar o corpo é preciso mudar uma questão urbana", avalia. Nesse sentido, um de seus próximos projetos é instalar seus cidadãos-dançantes e também os bailarinos de sua Cia. TeatroDança no pavilhão da Bienal de São Paulo, na performance que inaugura para o público, no dia 26/10, a 28ª edição do evento, mais conhecida como a "Bienal do Vazio". "É literalmente uma invasão", diz Ivo Mesquita, curador da Bienal. "Nós os convidamos para, num gesto simbólico, ocuparem o espaço da praça que vamos montar na Bienal." Há 30 anos, Bertazzo presenciou gesto semelhante, quando a coreógrafa baiana Lia Robatto e sua companhia realizaram uma intervenção na 1ª Bienal Latino-Americana de São Paulo -que teve uma única edição organizada pela própria Fundação Bienal no Ibirapuera. "Foi durante a ditadura; ela fez um trabalho de intervenção em várias obras. Foi um dos trabalhos que mais me marcaram", diz o coreógrafo à Folha, no local que sediará sua nova escola de dança (leia ao lado). Neste segundo semestre, Bertazzo mal consegue dormir por conta de vários projetos prestes a se concretizar. O primeiro é o espetáculo "É ou Noé", com sua Cia. TeatroDança, que estréia no próximo dia 24, no Tuca, e que tem a cantora lírica Céline Imbert como convidada (leia ao lado); em seguida, ele faz a performance de abertura da 28ª Bienal e, depois, inaugura sua Escola de Theatro Musical Brasileiro, em plena Cracolândia, no centro de São Paulo. Num intervalo no ensaio de seu novo espetáculo, Bertazzo falou sobre todos esses projetos à Folha, por quase duas horas. Leia trechos a seguir.

 

O NÓ DO CORPO DO BRASILEIRO
Estamos abaixo dos trópicos, submetidos à gravidade, então nosso corpo achata mais. A pressão da gravidade é mais forte. E falta cultura nacional de corpo. A gente se apóia em coisas perigosas, como a idéia de que o brasileiro é sensual e tem gingado. O brasileiro é extremamente bobo no plano da coordenação. Coordenação motora é educação. O corpo do brasileiro é pesado, ele anda se deslocando pesadamente de um lado para o outro. Para melhorar o corpo, é preciso mudar uma questão urbana, de ônibus, metrô, deslocamento por boas calçadas, além da proteção à violência. Aí o corpo cresce. A gente quer que Jesus salve, mas ele deve estar no Iraque. Ele não vai salvar a nossa postura.

28ª BIENAL
O público chega no dia da inauguração e vários grupos -não só o meu, mas também os cidadãos-dançantes, músicos- vão chegando. Tem que pensar em "Kagemusha - A Sombra do Samurai" [filme de Akira Kurosawa], em Toshiro Mifune [ator japonês], no próprio Kurosawa: a guerra vem chegando, esta antropofagia de linguagens. Tem um público que chega, e os grupos vão saindo do meio daquela floresta, com bandeiras, invadindo. E qual é o medo que poderá causar para estar na Bienal? A luta de linguagens. Se a linguagem não está uma em cima da outra, brigando, para que servem as linguagens?

GUERRA
Fiquei honrado com o convite, mas não tenho de ser eu o único representante. Nosso sonho é que os artistas da Bienal façam as bandeiras que vão chegar neste dia. É a guerra mesmo. Lata com pedrinhas, sons horrorosos, e aí você começa a ver no meio da floresta do Ibirapuera as bandeiras chegando. As bandeiras serão fixadas na Bienal durante as seis semanas de evento. Você tem assim a participação lá dentro de um artista que fez sua arte e criou estruturas para o povo chegar. Não dá mais para espaço cultural não ser usado pelas pessoas.

AULAS
A curadoria da Bienal prevê várias ocupações. Eu, particularmente, vou ter um ateliê do cidadão-dançante, onde todo dia, às 12h, haverá uma aula de civilidade. Sou um pedaço de muitos projetos. Sou mais um coordenador do evento de abertura. No dia-a-dia, dois membros da companhia estarão lá para uma aula de organização corporal.

VAZIO?
Caguei se está vazio. Pelo menos tem o prédio. A gente quer que o cidadão ocupe o espaço urbano com o seu corpo. A gente não tem grandes linhas de metrô, acaba vindo de carro. A ocupação da cidade com o corpo ainda é pequena, não é como a gente gostaria. Na Bienal, vamos mostrar um uso do espaço público com o corpo, vamos dar acesso ao corpo, brincar, com respeito e civilidade. Fui convidado porque sei mexer com o cidadão de um jeito urbano...

DINHEIRO
Se você estabelece o quanto ganha, não importa onde se apresenta. O aculturado que sonha em morar no exterior faz um espetáculo em Catanduva e acha que é menor. A dona Pina Bausch [coreógrafa alemã] cobra o preço dela e faz o mesmo espetáculo em qualquer lugar. A gente tem essa patrulha de "quanto ganha". Sempre ganhei bem. Meus projetos da Lei Rouanet já foram massacrados. E, hoje em dia, não faço nada em que tenha de mudar uma nota. Ganhar não é pejorativo.

ESCOLHA DA CRACOLÂNDIA
Vou ser sincero. Esse é um espaço que está barato. E permite ocupação. Está barato porque traz dificuldades paralelas de conforto, de bem-estar, de segurança. O bailarino sai daqui no fim do dia sob tensão. Só que, quando você diz à imprensa que está fazendo a sua parte, cobrindo espaços, vem uma resposta preciosa. Não quero ser demagogo, comecei porque é barato. Não vou dizer que vim para cá para fazer minha parte na sociedade. Mas é também é uma região onde o governo tem interesse de fazer investimentos culturais. Até agora não me ajudaram em nada, mas pode ser que venham a me ajudar.


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