|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Julio Medaglia reúne músicos do Brasil e do Leste europeu em orquestra de formação compacta
Amazônia ganha filarmônica própria
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
O maestro Julio Medaglia, 59, está a ponto de concretizar, no Teatro Amazonas, algo muito próximo do sonho megalômano de Fitzcarraldo, o personagem de Werner
Herzog que, em filme de 1981,
idealizou plantar uma companhia
prestigiosa de ópera bem no meio
da floresta tropical.
Medaglia está criando e dirigirá a
Amazonas Filarmônica, com os
primeiros ensaios já marcados para o início de setembro. Será uma
formação compacta, como as que
existiam no final do século 18. Terá
44 músicos, em lugar dos mais de
100 de uma grande sinfônica.
Apenas 11 deles são brasileiros.
Os 33 restantes foram recrutados
no Uruguai e na Europa, com predominância de 13 originários da
Belarus e 10 da Bulgária.
A orquestra de tamanho "bethoveniano" traz 31 instrumentos
de corda e duplas de flautas, oboés,
clarinetes e outros sopros. Será financiada pelo governo do Estado,
ao custo de R$ 2 milhões ao ano.
Segue entrevista com Medaglia.
Folha - Qual a relação existente
entre um belo teatro e uma excelente orquestra, já que o Teatro
Amazonas nunca possuiu uma sinfônica permanente?
Julio Medaglia - Há em Manaus
aquele delírio que é o sofisticado
teatro em estilo art-déco, que durante quase um século permaneceu abandonado. Foi depósito de
gasolina, local de competições esportivas. Coisas que em nada lembravam a intensa atividade cultural do início do século, antes que
terminasse o ciclo da borracha. O
teatro foi restaurado em 92. Mas
era um teatro "mudo". Não tinha
música.
Folha - Qual a vantagem da predominância de instrumentistas da
Europa do Leste?
Medaglia - Eles têm uma excelente tradição de cordas, que permite uma clareza de sonoridade, a
mão esquerda muito bem definida, cristalina. É o poder da escola
russa. Há por lá excelentes músicos ganhando muito pouco e dispostos a emigrar. Trouxemos gente da Ópera de Sófia e da Sinfônica
de Minsk, de onde virá o primeiro-violino, Regina Sarkisova.
Folha - Como é que surgiu a idéia
dessa nova orquestra?
Julio Medaglia -Foi uma idéia
do atual governador (Amazonino
Mendes), que também governava
o Amazonas quando da restauração do teatro.
O projeto foi discutido entre eu e
ele nas duas oportunidades em
que me apresentei, em 95 e em 97,
regendo orquestras na cidade.
Trata-se, em suma, de se fazer uma
orquestra que reflita o carisma internacional da Amazônia.
Folha - Como foram selecionados
os músicos?
Medaglia - Por meio de um
concurso. Primeiro, entre músicos
brasileiros, que geralmente hesitavam em se transferir para Manaus
porque perderiam outras fontes de
renda que têm, no eixo Rio-São
Paulo, com gravações ou com empregos em mais de uma orquestra.
Foram recrutados 11 músicos. Os
restantes foram escolhidos por
mim e por mais três outros professores, em audiências de concurso
na Rússia, Belarus, República
Tcheca, França e Uruguai.
Folha - Quanto o governo local
pagará para cada um deles?
Medaglia -Em torno de R$
2.400 mensais. A vida é mais barata
em Manaus, e o governo pretende
dar um terreno para a construção
de uma "vila de artistas", com casas financiadas. É uma maneira de
levar os músicos a estabelecer vínculos com a cidade.
Folha - Eles serão funcionários da
Secretaria Estadual da Cultura?
Medaglia -Não. Criamos uma
associação sem fins lucrativos. O
governo põe o dinheiro e desaparece do mapa. Os músicos serão
contratados, de início, por um
ano, mas com uma cláusula que
nos permite rescindir o contrato
em caso de desempenho insatisfatório. A dotação anual da orquestra será próxima de R$ 2 milhões.
Folha - Como garantir a continuidade da orquestra sem, como contrapartida, a continuidade política
do governo que a criou?
Medaglia -No Brasil tem-se, em
geral, orquestras públicas. O que
procuraremos fazer será algo próximo da Fundação Padre Anchieta, de São Paulo, ou do Hospital
Sara Kubitschek, de Brasília, que
funcionam sem ingerência oficial.
Num segundo momento, quando
a orquestra já estiver com sua sonoridade bem trabalhada, o governador do Amazonas pretende estimular as empresas da Suframa
(Zona Franca de Manaus) a participar do projeto.
Folha - Qual será o repertório?
Medaglia -De início, todo Beethoven, todo Mozart, todo Haydn,
além de peças para cordas românticas. Mas não é uma formação para executar Mahler, Brahms ou Richard Strauss, que exigem orquestras maiores.
Folha - Quando acontecem os
primeiros ensaios?
Medaglia -Os músicos estarão
chegando até o fim de agosto. Começaremos a ensaiar no início de
setembro.
Folha - Montar em plena Amazônia uma orquestra de tamanha excelência em potencial não seria
uma versão musical do sonho tão
bem retratado no cinema por Werner Herzog, em "Fitzcarraldo"?
Medaglia -Talvez... Mas o fato é
que será uma orquestra com padrão disciplinar e postura diferenciados. Os músicos não poderão
conversar uns com os outros
quando entrarem no palco. Terão
roupa própria, especialmente desenhada. O teatro sofrerá um tratamento acústico e ganhará cenário para que o palco seja o prolongamento de sua arquitetura.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|