São Paulo, sábado, 15 de agosto de 1998

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CINEMA - EUA
"Olhos de Serpente" alivia temporada ruim

BIA ABRAMO
especial para a Folha, em Berkeley

A grande corrida pela bilheteria que é a temporada de verão norte-americana ganha ares mais cinematográficos. Saem os técnicos em efeitos especiais, os roteiristas indigentes, os diretores de videogame. Quem está na briga agora pelos dois primeiros lugares são dois diretores de verdade: Steven Spielberg, com "O Resgate do Soldado Ryan", e Brian De Palma, com "Olhos de Serpente".
É um alívio. Sim, ambos são espetaculosos, mas, comparados a "Armageddon" e "Impacto Profundo", há algo a mais. Em Spielberg e De Palma, o espetáculo não é simplesmente uma maneira descarada de atrair bilheteria: é resultado de uma apuração técnica de ordem, digamos, mais pessoal.
A crítica norte-americana não deu muita bola para "Olhos de Serpente" -com previsão de estréia no Brasil para 25 de setembro- e, de fato, não é um De Palma especialmente inspirado. Mas, depois de monstros verdes e asteróides em desabalada carreira, um thriller neurótico com Nicolas Cage e Gary Sinise representa um certo alívio.
Apesar de o roteiro de De Palma e David Koepp parecer meio costurado às pressas, há mais inteligência em um minuto de "Olhos de Serpente" do que em todos esses outros blockbusters somados.
"Olhos de Serpente" começa com 20 minutos alucinantes -aliás, aberturas virtuosísticas estão na moda em Hollywood.
Uma chuva torrencial cai sobre o cassino de Atlantic City, onde haverá uma luta de boxe. Rick Santoro (Nicolas Cage), um policial corrupto, falante, intenso, aposta US$ 5.000 na luta, fala num horrível telefone celular alternadamente com a mulher e a amante, persegue e extorque um traficante e, ufa, ainda encontra seu melhor amigo, Kevin Dunne (Gary Sinise), um oficial da Marinha que está fazendo a segurança do secretário da Defesa.
Nos próximos dez minutos, o secretário da Defesa é assassinado, uma loira leva um tiro, um dos boxeadores vai a nocaute e o pânico se instala entre as 14 mil pessoas no estádio. No resto do filme, Santoro vai reconstituir o "quem matou" e o problema é que cada um conta uma história diferente.
Apesar da inspiração clara em "Rashomon", de Kurosawa, "Olhos de Serpente" tem defeitos visíveis, soluções tiradas do bolso, personagens inconsistentes.
Mesmo com os problemas, há tours-de-force memoráveis: a steadycam que segue o ritmo nervoso de Santoro no corredores do estádio e nos informa sobre a personalidade do policial sem que seja necessária uma palavra, as passagens quase imperceptíveis entre imagens de vídeo, do circuito interno de TV e da câmera, como se a realidade fosse um contínuo de intrepretações intercambiáveis.
De Palma tem um senso de ritmo que não dá espaço para a monotonia e uma exuberância visual que nunca deixa de surpreender.
Cage faz seu arroz-com-feijão. Seu Santoro de "Olhos de Serpente" parece o Sailor de "Coração Selvagem" alguns anos mais velho. Sinise, entretanto, encontrou uma fluidez entre a cara de pôquer, impassível, e uma malevolência sutil que devem lhe garantir mais uma indicação ao Oscar de coadjuvante.



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