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Escritores e encomendas
HAROLDO CERAVOLO SEREZA
da Redação
"História escrita sob encomenda e sem inspiração, sem pés nem
cabeça, digna dos tempos de viver
que vivemos, institucionalizados e
redimidos do pecado universal",
assim começa a dedicatória de Jorge Amado que antecede o conto
"As Mortes e o Triunfo de Rosalinda", para o livro "Os Dez
Mandamentos" (Civilização Brasileira, 1965, esgotado).
Incumbido de escrever sobre o
quinto mandamento, o "não matarás", Amado preferiu falar sobre política. E Rosalinda, a que
não morre (no conto), é uma corajosa representação de um sonho
socialista que a violência do regime militar sufocava.
Se o conto tem problemas, como
o próprio Amado reconhece, sua
dedicatória coloca uma questão
importante: é possível escrever
sob encomenda?
Os textos de "Os Dez Mandamentos" (filho de uma edição de
sucesso de "Os Sete Pecados Capitais", de 1964, reeditado no ano
passado com um conto de Fausto
Wolf substituindo um de Guimarães Rosa) têm qualidade oscilante, em que se destaca "Sobre Todas as Coisas", de Carlos Heitor
Cony.
Nele, Cony aproxima dois padres, Lucas e Mateus, um prático,
o outro, erudito.
O primeiro acaba tendo problemas com a cúpula da igreja, o outro não consegue chegar a uma
conclusão sobre o significado do
primeiro mandamento, "amar a
Deus sobre todas as coisas".
Mas nem só de sugestões divinas
vivem os escritores. Gil Vicente
(1465-1537), com sua "Farsa de
Inês Pereira", criou um clássico a
partir do dito popular "prefiro asno que me carregue a cavalo que
me derrube".
E o que há de comum entre Gil
Vicente e Jorge Amado, ou melhor, entre o dito do primeiro e o
mandamento do segundo?
Há temas de domínio popular,
resultantes seja de um convívio
profano, do dia-a-dia, seja de uma
interação sagrada, uma iniciação
literária que se dá na igreja, a partir das leituras bíblicas.
O resultado é que, de temas populares, fez-se uma literatura popular. Isso responde à pergunta
inicial, ou seja, é possível, sim, escrever sob encomenda.
Mas coloca outras duas, a saber:
1. que encomendas pode um escritor aceitar? 2. quem pode aceitar
uma?
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