São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 2000

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LIVRO/LANÇAMENTO
Após reproduzir arquétipos em seu romance mais longo, Patrícia Melo ganha telas em três filmes
Autora usa pesquisa para "inventar realidade possível"

DA REDAÇÃO

Patrícia Melo, cujo maior sucesso literário, "O Matador", se calcou em muito material real, incluindo entrevistas com assassinos profissionais, surpreende quem pensa que a pesquisa é a parte mais importante da composição de seus romances.
"Agora, minha preocupação foi fazer com que esse mundo, esse morro do Berimbau, com seus personagens, parecesse verossímil, possível. Sou ficcionista. Se ficar enfurnada na pesquisa, vou fazer um trabalho documental."
Patrícia lembra que, justamente em "O Matador", sofreu com isso. "Era uma angústia, porque eu estava tão ligada naquela pesquisa que achava: "Na realidade não é assim...". Mas isso também não é a realidade! A experiência dos outros livros me deu descolamento."
"Mais importante do que a pesquisa é a imaginação. Um escritor contemporâneo fala do que está à sua volta. Isso cria no leitor a idéia de realidade próxima, ele acha que aquilo é um retrato, mas não é: é uma realidade inventada."
Compôs "Inferno" com personagens que são quase ícones do que se imagina ser o morro e sua relação com o mundo de baixo: Alzira, a mãe, doméstica, honesta e humilhada pela patroa branca, que faz ginástica e tem um amante; a irmã, Carolaine, adolescente meio perdida; a avó, Cândida, ligada à tradição do samba.
"De um modo geral, o percurso de um traficante de drogas é muito previsível. E há, dentro desse universo, uma decadência de valores morais. As dificuldades que a vida impõe levam a situações que passam a ser arquétipos."
Além de ser seu livro mais extenso -tem 368 páginas-, "Inferno" introduz uma novidade: é seu primeiro livro narrado em terceira pessoa. Ela já havia tentado abandonar o foco em primeira pessoa nos romances anteriores.
"Tinha uma sensação de artificialidade, tanto no "Matador", como no "Elogio", que me incomodava. Nesse, não, foi a primeira tentativa, nem cheguei a tentar em primeira pessoa. É a primeira vez que tenho um protagonista e uma gama de personagens, que levam o livro também. Eles são importantes, porque optei por uma narrativa onisciente, mas o tempo todo ela ecoa as vozes dos personagens. Estilisticamente falando, esses foram os desafios."
Falando de método, Patrícia diz que não há "receita de bolo".
"Uma coisa curiosa dessa profissão é que os processos de criação nunca se repetem. Você vai mudando sua maneira de trabalhar. Esse hábito de me apoiar muito na imagem não é mais tão fundamental na minha literatura", explica, aludindo à carreira de roteirista, iniciada mesmo antes da de escritora.
Ela fez recentemente os roteiros de "Bufo & Spallanzani", baseado no livro de seu mestre confesso, Rubem Fonseca, e "O Xangô de Baker Street", a partir do best seller de Jô Soares. Como escritora, é difícil adaptar obras literárias?
"Eu gosto bastante de fazer adaptação, e esses projetos me deram prazer porque tive total liberdade. Acho que a grande dificuldade da adaptação é o excessivo cuidado com o livro. O roteirista tem de ser fiel ao espírito, mas não pode ficar amarrado; se a adaptação é a reprodução do livro, geralmente fica aquém dele."
E ela também entra no cinema pelo outro lado: "O Matador" acaba de ser adaptado, exatamente por Rubem Fonseca, para virar o filme "O Homem do Ano", pelas mãos do filho do autor, José Henrique Fonseca, no começo de 2001. Como escritora, é difícil ter uma obra adaptada?
"Geralmente o autor tem ciúmes do livro. Posso falar porque sou autora. Mas consegui não ter, inclusive porque tive essa honra."
"Inferno" e roteiros concluídos, ela se dedica a Heidegger e Aristóteles -no Rio, voltou à faculdade, para estudar filosofia- e planeja, além de um texto para teatro para a irmã, Renata, montar, um novo roteiro, ainda não definido, para o próximo projeto de Andrucha Waddington ("Eu Tu Eles"). Enquanto isso, torce para que o novo livro siga a trilha dos dois anteriores, publicados com sucesso de público e crítica no exterior.
(FRANCESCA ANGIOLILLO)




A OBRA

Livro: Inferno
Autora: Patrícia Melo
Editora: Cia. das Letras
Quanto: R$ 29 (368 págs.)
Lançamento: dia 25, às 19h, na Fnac (tel. 0/xx/11/3097-0022)




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