São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Brasileiro abre mostra no maior complexo de arte de Paris e coloca imagem de seu avô na entrada do local

Marepe transforma Beaubourg em Bubu

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Desde ontem, o Centro Pompidou, maior complexo de arte em Paris, também conhecido como Beaubourg, ganhou uma nova alcunha: Bubu. Ao lado da foto de George Pompidou, presidente francês que criou a instituição e principal imagem na entrada do centro, está agora uma foto do avô de Marepe, o Bubu, com as mesmas linhas do artista cinético Victor Vasarely, que criou o retrato de Pompidou.
A operação é parte da mostra de Marepe, que integra o calendário do Ano do Brasil na França, e demandou dupla negociação: com a viúva do ex-presidente, Claude Pompidou, que foi consultada para aprovar a alteração, além da família de Vasarely, que autorizou a cópia do estilo do artista. Bubu (ou Tiburtino Peixoto) representa para Marepe uma forma de fazer artístico: "Ele era um carpinteiro que influenciou toda uma geração e deixou vários discípulos".
Não deixa de ser um mérito para um país tão cheio de regras de refinamento que Marepe tenha conseguido igualar um presidente a um carpinteiro. Sua ação artística revela-se transformadora.
"Desde que vi "Telhado", obra do Marepe exposta no Museu de Arte Moderna de São Paulo, decidi que deveríamos expor seu trabalho aqui ", diz Alfred Pacquement, diretor do Museu de Arte Moderna, sediado no Bubu, ou melhor, Beaubourg.
Em dois anos, a instituição prevê a realização de uma exposição mais abrangente de arte contemporânea brasileira, a partir de novas aquisições, como ocorreu há pouco com obras de Leonilson.
Com quatro trabalhos de grande dimensão, Marepe ocupa todo o hall de entrada do centro cultural. "São obras criadas a partir de minhas memórias de infância, como a convivência com meu avô. Tudo começou quando soube que a mostra integrava o Ano do Brasil na França. A imagem que me veio foi de um desfile de 7 de Setembro, que precisei participar vestido de periquito, quando eu tinha sete anos", contou anteontem Marepe à Folha, durante a montagem da mostra.
Não deixa de ser irônico que, numa festividade marcada por cunho patriótico, Marepe se apresente de forma múltipla -são nove fotos do artista quando criança em tamanho natural que se movimentam lentamente-, vestido de periquito, um estereótipo bem brasileiro. "Eu não pensei em ironia, mas algo que representasse a idéia de nacionalidade, e, para mim, desfilar de periquito foi um desconforto com as práticas oficiais", disse ele.
À frente dos "periquitos", está instalada uma imensa tela de TV com acrílico colorido, como se fazia para tornar os aparelhos preto-e-branco, nos anos 70, em equipamento em cores, outra memória infantil de Marepe. "Era quando o Brasil buscava ser mais moderno com essas formas improvisadas, como o acetato na frente da TV."
Ainda da infância, Marepe traz um andador, desses que as crianças utilizavam para aprender a andar, hoje condenados por pediatras. Seu andador, entretanto, tem quatro metros de altura.
Finalmente, Marepe apresenta ainda uma performance, realizada ontem e ainda mais quatro vezes durante a mostra, que segue até janeiro de 2006, baseadas em gincanas de TV, quando adolescentes precisavam encher a roupa de bexigas e estourá-las.
Para o Bubu, o artista criou duas roupas largas, uma vermelha e outra azul, que podem acolher até 180 bexigas. Dois bailarinos participam da performance e explodem quando tentam se tocar. "É uma maneira lúdica de tratar de coisas simples, mas com resultados plásticos", disse Marepe.
De fato, a mostra toda utiliza "coisas simples", mas que ganham novos significados. "É como pinçar memórias e dar valores específicos a elas, salientar o que tem de poesia nessas coisas, mas de forma aberta. Não trato só de minhas memórias, procuro abordar memórias coletivas."
Em Marepe, aliás, o processo é sempre assim: ele nos transporta para outras paragens pelo uso dos objetos mais cotidianos e mais visíveis. A diferença é que ele extrai desses sistemas banais um alto grau de poesia, o que se busca ao observar uma obra de arte.


O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite do Consulado da França em São Paulo e do Gabinete de Cultura

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