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Crítica/erudito/"Lia Ferenese e Ensemble Opera Nova Zürich"
"Ópera invisível" do italiano Salvatore Sciarrino vale festival contra repetição
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A "cena" final é um deslumbramento. Estranhamente sereno, sonoramente aberto, com grandes acordes agudos nas cordas
e sopros, simulando sinos eletronicamente prolongados, enquanto a cantora entoa a primeira cantilena real da ópera
inteira, sonhando com "belos
domingos nas províncias tranqüilas" e a "alegria da brancura
mais limpa". "Cena" entre aspas, porque nada se encena de
fato, embora tudo se imagine
no compactado "Lohengrin" de
Salvatore Sciarrino, apresentado sexta e sábado pela Opera
Nova Zürich, com Lia Ferenese, no Sesc Vila Mariana.
O siciliano Sciarrino (1947) é
um dos compositores mais prolíficos da música contemporânea, autor de mais de 150 obras.
Não chega a ser um dos mais
nem um dos menos tocados.
Sua música tender a ficar restrita aos fóruns especializados
-como era o caso aqui, neste
concerto do Festival Música
Nova- não deve ser uma acusação, a não ser que a acusação
seja contra todo o repertório.
Sciarrino escreve no limite
entre o audível e o inaudível,
música delicadíssima, mas
também expressivíssima, com
microvariações timbrísticas e
explorações de sonoridades
inusuais, especialmente aspiradas e sopradas. O compositor
tem se dedicado às peças dramáticas: foram seis, desde 1998.
"Lohengrin", de 1984, é baseada em um texto do poeta
simbolista Jules Laforgue
(1860-1887), que subverte o mito tornado operisticamente célebre por Wagner (1813-1883).
Só quem fala é Elsa, injustamente acusada de ter matado o
irmão, salva afinal pelo cavaleiro Lohengrin, que chega montado num cisne -o irmão enfeitiçado-, mas não pode ter seu
nome conhecido.
Na ópera de Sciarrino, autodefinida como "ação invisível",
não há cenários nem ação. Bastam uma cadeira, uma mesa,
um copo d'água e um microfone à frente da orquestra de 20
músicos. E uma soprano como
a argentina Lia Ferenese, capaz
de dar vida à sucessão dramática de sussurros, soluços, grunhidos e chiados, gradualmente se transformando em palavras italianas, à medida que a
confusão mental de Elsa se deixa ver e ouvir.
Na primeira parte, os suíços,
entrosados com alunos da USP,
haviam apresentado duas peças de Klaus Huber (1924), outro praticante de sensibilidades
limítrofes, entre o silêncio e o
som, entre o passado e o futuro.
Sempre presente no presente, o Festival Música Nova permanece uma reserva de diferença, contra a repetição. Falando nisso: impossível entender a ausência de mais alunos,
músicos, compositores na platéia quase minguada. Só Sciarrino já valeu o mês. Quem ouviu, viu; quem viver, virá.
Avaliação: ótimo
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