São Paulo, Sexta-feira, 15 de Outubro de 1999
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MOSTRA DE SP
Cinema britânico dos anos 90 pede passagem

AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas


Oito produções britânicas dos últimos dois anos pedem passagem na atual 23ª Mostra. É numericamente a terceira maior representação, perdendo para a americana, para a francesa e empatando com a alemã e a japonesa.
Mas números também enganam. Nenhuma destas equipara-se ao vigor contemporâneo do cinema produzido pela Grã-Bretanha pós-Thatcher.
Há muito tempo, pelo menos desde meados dos anos 80, enquanto o cinema europeu sobrevive de autores isolados (como Almodovár na Espanha e Moretti na Itália), a produção britânica reergue-se em bloco.
O festival de Veneza de 1997 radiografou o fenômeno com um histórico ciclo "British Renaissance". Até o Oscar bateu continência no ano passado, com o triunfo de "Shakespeare Apaixonado" e os prêmios a "Elizabeth".
Mas o atual cinema britânico vai muito além de revisitas a Shakespeare e de épicos imperiais. Pluralidade de temas e estilos é a regra no novíssimo cinema inglês. É um fenômeno raro.
O último e principal momento de efervescência similar data do final dos anos 50 e início dos 60, com a explosão do "Free Cinema" -o precursor britânico da "Nouvelle Vague" francesa. Havia então uma produção típica: a ágil e crua comédia social, à moda "Tudo Começou no Sábado" (1960).
A década de setenta foi de retração e a de oitenta, de lenta retomada, com a revelação de cineastas de peso como Terence Davies, Stephen Frears, Peter Greenaway, Neil Jordan e Mike Leigh.
A presente bonança tem várias e distintas causas. Uma estável política de incentivo a iniciantes em curtas-metragens é uma. A significativa ampliação dos recursos transferidos para a produção, por meio de uma lei que aplica em cinema uma porcentagem da loteria nacional, é outra. Talento mais oportunidade -não há segredo.

Sintonia jovem
A retomada fez-se acompanhar de uma raríssima sintonia da produção com o público jovem. As cinco maiores bilheterias de filmes ingleses de todos os tempos foram conquistadas por produções dos anos 90: "Nothing Hill", "Ou Tudo ou Nada", "Quatro Casamentos e um Funeral", "Mr. Bean" e "Trainspotting".
O apoio crítico não fica atrás. Uma pesquisa recente do British Film Institute (BFI) sobre os maiores clássicos do século elegeu nada menos que 17 filmes rodados nesta década e 18 na década passada entre as cem principais produções do cinema inglês.
"Trainspotting", adaptado por Danny Boyle do romance de Irving Welsh sobre o niilismo de junkies escoceses, conquistou o décimo posto. Numa pesquisa similar feita entre os leitores da revista mensal "Total Film", ficou em primeiro.
"Meu Nome é Joe" de Ken Loach, selecionado para a atual mostra, também emplacou uma vaga na lista do BFI. É um modelo do cinema de preocupação social que, desde o "Free Cinema", se faz na Inglaterra como em nenhum outro lugar.
Outra prova, ainda na mostra? "Garotas de Futuro", o penúltimo drama de Mike Leigh ("Segredos e Mentiras"), sobre o reencontro de duas ex-colegas de escola.
Mais? "Zona de Conflito", violência sexual em família na estupenda estréia do ator Tim Roth ("Pulp Fiction") na direção.
E a tal variedade? Basta ver os demais títulos. "Beautiful People" insere-se na produção étnica que se fortaleceu a partir dos anos 80 com nomes como Hanif Kureish. "Quartos e Corredores" representa o humor homoerótico. "Simon Magus" é a fábula mágica que marca a estréia em longa do premiado curta-metragista Ben Hopkins ("National Achievement Day"). "Mero Acaso" é nossa santa comédia romântica. Por fim, "Auschwitz" lembra a força tradicional do documentarismo britânico.
Renovação é isso: nenhum deles tem Michael Caine.


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