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CARLOS HEITOR CONY
No calor de uma noite antiga de Copacabana
Eu invejava quem tinha visões.
Havia um primo que via Santa
Terezinha do Menino de Jesus.
Anos mais tarde, um compadre
que via discos voadores. Durante
anos fiquei dando sopa ao acaso,
quem sabe eu poderia merecer a
honra.
Contudo, houve aquela noite de
verão, verão dos bravos, 40 graus
à sombra. Trabalhava num jornal
que tinha ar-condicionado na redação, era a mais luxuosa da época. Mas havia um pacto diabólico
entre o calor e o sistema de refrigeração. Quando a temperatura
passava dos 38 graus, o aparelho
pifava ou funcionava ao contrário, produzindo um calor suplementar.
Eu fechava a primeira página e
precisava descer à oficina. Com a
máquina rodando, o chumbo derretido para fazer as telhas (era
complicado o processo de impressão naquela época), a temperatura subia uns 20 graus a mais.
Rodado o jornal, peguei o carro
e fui para casa. Morava em Copacabana e, quando dobrei na avenida Atlântica, não resisti ao apelo que vinha do mar e da noite.
Procurei um trecho mal iluminado, deserto àquela hora da madrugada. Deixei a roupa na areia,
próxima à maré, que era baixa, e
senti o frio gostoso da primeira
onda que veio farejando contra
mim, como um cão que procura o
dono.
Fiquei por ali mesmo, tentando
dar algumas braçadas entre uma
onda e outra. Preguiça de sair do
mar, teria de me enxugar com a
própria camisa, molharia o assento do carro, sujando-o com a areia
que levaria no corpo. Tudo era
pretexto para continuar ali, era
sensual tomar banho sem roupa,
na imensa enseada escura, o colar
das luzes da orla marcando uma
cidade que sufocava e gemia no
calor e na noite.
Até que começou a soprar um
ventinho chato, e as ondas ficaram mais grossas e súbitas. Era
tempo de ir embora. Dei um último mergulho e voltei para a
praia. Foi então que vi.
Ao lado do pequeno montinho
que fizera com minhas roupas,
havia um vulto sentado. À distância, era impossível saber se era homem ou mulher. Mesmo assim
pensei num assalto, embora fossem raros naquele tempo. A cidade era então mais tranquila, e,
àquela hora, quem não estivesse
dormindo estaria amando, metade da turma em cima da outra
metade. Sozinho no mundo e no
mar, acho que somente eu.
Quando atingi o ponto mais raso, em que a água me batia pela
cintura, fiz a mesma descoberta
que Adão e Eva haviam feito após
a maçã: eu estava nu. E, ao mesmo tempo, que o vulto ali na areia
era uma mulher que parecia me
esperar. Apesar das ondas cada
vez mais fortes que me batiam nas
costas, parei de caminhar em direção à areia, esperando que o
vulto fosse embora.
Ficamos assim, ela e eu, olhando um para o outro. Até que uma
onda me atirou para a frente, e,
por um instante, fiquei exposto na
minha nudez molhada. O vulto se
levantou, como se viesse em minha direção.
Era mulher mesmo e parecia
nua também. Via sua silhueta,
lembrei uma turma que todas as
manhãs fazia ginástica naquele
trecho, a jovem que vinha sempre
com um maiô preto e tinha umas
pernas, bem, ela devia ser muito
saudável para estar ali àquela hora, precisaria acordar cedinho para aproveitar o Sol que se levantaria das águas com aquela luz alaranjada que combinaria com a
cor de suas coxas.
Senti nova onda se formar às
minhas costas. E para não ser atirado à praia como um náufrago,
virei-me para enfrentá-la. Enquanto atravessava a massa líquida, que fervia em torno da minha cabeça e cheirava a peixes
salgados e a conchas vazias, decidi sair do mar, acontecesse o que
acontecesse. Ou, o que seria pior,
nada acontecesse.
Quando me voltei para a praia,
não havia ninguém. Olhei em todas as direções, inclusive para o
mar, talvez ela tivesse mergulhado. Nada. O tempo em que eu estivera submerso fora mínimo, em
três, quatro segundos, ela não poderia ter sumido.
Caminhei em direção ao montinho que fizera com minhas roupas. Olhei em torno. Novamente
nada. Quando fui apanhar o blusão para me enxugar, vi marcas
dos pés dela. Acompanhei aquelas
marcas por alguns metros, de repente sumiram.
Eu não havia bebido naquela
noite. Quando mergulhara, só
queria me livrar do calor que me
incendiara a carne. Nunca tinha
visto Santa Teresinha do Menino
Jesus nos bambuais de minha infância. Nunca tinha visto um disco voador.
Durante algum tempo aquela
silhueta de mulher recortada na
noite me perseguiu. Voltei àquele
trecho da praia algumas vezes, à
mesma hora.
Pensei que havia me esquecido
daquela visão. Outro dia, vindo
de um compromisso que terminou tarde, passei por ali. Estava
tudo deserto. Parei o carro e fiquei
olhando o mar, que era o mesmo.
Mas eu não era o mesmo. Não tive
coragem de tirar a roupa e mergulhar fundo.
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