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"As Invasões Bárbaras" apresenta o ocaso de um sedutor e de seus ideais
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Autor de "O Declínio do Império Americano" (1986), o canadense Denys Arcand, 62, imaginou uma sequência da queda
-do homem, das ideologias, da
sociedade ocidental- para realizar "As Invasões Bárbaras".
O filme é (a exclusiva) atração
para os convidados da abertura
da 27ª Mostra BR de Cinema de
São Paulo, amanhã, e um dos 265
títulos programados para o público, a partir de sexta até o dia 30.
Reunidos após 17 anos de intervalo, os personagens de "O Declínio do Império Americano" defrontam-se, em "As Invasões Bárbaras", com a iminência da morte
de Rémy, o professor assanhado
na vida sexual e raivoso nas opiniões políticas.
Juntos, à espera de que cesse o
embate do companheiro com o
câncer, os amigos cotejam, individual e coletivamente, o que sonharam ser nos anos de juventude e aquilo em que se transformaram na maturidade.
O balanço não é livre do repasse
de afetos e ressentimentos e inclui
uma boa dose de humor, sem a
qual Arcand não faria o filme, como explica na entrevista à Folha,
por telefone, de Montreal.
"As Invasões Bárbaras" é o candidato canadense à disputa pelo
Oscar de melhor filme estrangeiro. No Festival de Cannes, em
maio, conquistou o prêmio de
melhor roteiro (do próprio Arcand) e o de melhor atriz para
Marie-Josée Croze (Nathalie).
Em setembro, o filme estreou
com estrondo na França (600 mil
espectadores em 15 dias) e nesta
semana será lançado nos Estados
Unidos, pelo estúdio Miramax,
com a presença de Arcand -razão pela qual o diretor não virá à
Mostra de São Paulo.
Folha - Quando filmou "O Declínio do Império Americano" (1986),
o sr. havia planejado reunir os personagens duas décadas mais tarde,
para flagrá-los na maturidade?
Denys Arcand - Não. O tema que
eu tinha em mente era o de um
homem diante da morte. Há 20
anos tento fazer esse filme. Várias
vezes comecei a escrever o roteiro.
Mas eu nunca gostava do resultado, porque me parecia resultar
num filme escuro, deprimente.
Era algo que eu não queria fazer
como diretor e que não teria vontade de assistir como espectador.
Há dois anos, pensei que, se eu
tentasse tratar desse assunto com
os meus personagens de "O Declínio do Império Americano", poderia funcionar, porque eles são
cínicos e provocadores. Portanto,
poderiam fazer piada até o último
momento, iriam rir, fumar (até
mesmo maconha), beber e comer
até o fim. Ou seja, era minha
chance de fazer um filme sobre
um tema seriíssimo, mas com
rupturas de tom, sorrisos, amizade e calor.
Folha - Além do tema do homem
diante da própria morte, o filme
não traça também o retrato de uma
geração que fracassou em todos os
seus sonhos?
Arcand - Sim, mas não creio que
isso seja inteiramente negativo.
Eles tinham sonhos porque eram
generosos. Quiseram crer no socialismo, no marxismo, no feminismo, em todos esses "ismos"
dos quais hoje zombamos.
Eles acreditaram nisso não por
egoísmo ou por um sonho individual, mas porque gostariam de ter
uma outra sociedade e uma forma
diferente de viver. Eram conduzidos por um sentimento generoso.
É verdade que, no momento em
que se reúnem e que Remy avista
a morte, ele está desorientado,
porque todas as teorias nas quais
acreditou se revelaram falsas.
Acho que isso vale para a maioria das pessoas na sociedade ocidental hoje. Não pudemos substituir o sonho socialista e não temos
o que colocar em seu lugar. Não
há teorias ou modelos aos quais
possamos nos agarrar. Não existe
quem tenha a solução. Eles [os
personagens] se encontram nesse
estado e, para mim, não é algo
desprezível, porque viveram tentando fazer o melhor possível.
Folha - No entanto as relações
amorosas e familiares dos personagens também são um fiasco.
Arcand - Exatamente. Mas é preciso ter em conta que são canadenses oriundos de uma sociedade dos anos 50, com uma estrutura social extremamente sufocante, onde a religião católica dirigia
tudo. Eles se revoltaram contra isso. Em sua revolta, liberaram a sociedade dos aparelhos religiosos e
aproveitaram para se libertar, viveram a liberação sexual etc.
Ao final, descobriram que seus
filhos sofreram terrivelmente
com seus divórcios. Nesse ponto
também não sabemos como se
deve viver. Eles [os personagens]
não sabem, eu tampouco. Se essa
geração [a dos filhos] vai encontrar uma maneira diferente de viver, é uma questão para a qual
não tenho resposta.
Folha - O sr. pretende refazer a
pergunta daqui a alguns anos em
um novo filme?
Arcand - Hoje diria que não. Mas
a inspiração é misteriosa. Se daqui
a dez anos eu estiver com boa saúde e a vontade de fazer um filme,
pode ser que retome este.
Veja programação e sinopses da 27ª
Mostra BR de Cinema de SP em www.folha.com.br/especial/2003/mostrabrdecinema
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