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São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 2003

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"As Invasões Bárbaras" apresenta o ocaso de um sedutor e de seus ideais

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Autor de "O Declínio do Império Americano" (1986), o canadense Denys Arcand, 62, imaginou uma sequência da queda -do homem, das ideologias, da sociedade ocidental- para realizar "As Invasões Bárbaras".
O filme é (a exclusiva) atração para os convidados da abertura da 27ª Mostra BR de Cinema de São Paulo, amanhã, e um dos 265 títulos programados para o público, a partir de sexta até o dia 30.
Reunidos após 17 anos de intervalo, os personagens de "O Declínio do Império Americano" defrontam-se, em "As Invasões Bárbaras", com a iminência da morte de Rémy, o professor assanhado na vida sexual e raivoso nas opiniões políticas.
Juntos, à espera de que cesse o embate do companheiro com o câncer, os amigos cotejam, individual e coletivamente, o que sonharam ser nos anos de juventude e aquilo em que se transformaram na maturidade.
O balanço não é livre do repasse de afetos e ressentimentos e inclui uma boa dose de humor, sem a qual Arcand não faria o filme, como explica na entrevista à Folha, por telefone, de Montreal.
"As Invasões Bárbaras" é o candidato canadense à disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro. No Festival de Cannes, em maio, conquistou o prêmio de melhor roteiro (do próprio Arcand) e o de melhor atriz para Marie-Josée Croze (Nathalie).
Em setembro, o filme estreou com estrondo na França (600 mil espectadores em 15 dias) e nesta semana será lançado nos Estados Unidos, pelo estúdio Miramax, com a presença de Arcand -razão pela qual o diretor não virá à Mostra de São Paulo.

Folha - Quando filmou "O Declínio do Império Americano" (1986), o sr. havia planejado reunir os personagens duas décadas mais tarde, para flagrá-los na maturidade?
Denys Arcand -
Não. O tema que eu tinha em mente era o de um homem diante da morte. Há 20 anos tento fazer esse filme. Várias vezes comecei a escrever o roteiro. Mas eu nunca gostava do resultado, porque me parecia resultar num filme escuro, deprimente. Era algo que eu não queria fazer como diretor e que não teria vontade de assistir como espectador.
Há dois anos, pensei que, se eu tentasse tratar desse assunto com os meus personagens de "O Declínio do Império Americano", poderia funcionar, porque eles são cínicos e provocadores. Portanto, poderiam fazer piada até o último momento, iriam rir, fumar (até mesmo maconha), beber e comer até o fim. Ou seja, era minha chance de fazer um filme sobre um tema seriíssimo, mas com rupturas de tom, sorrisos, amizade e calor.

Folha - Além do tema do homem diante da própria morte, o filme não traça também o retrato de uma geração que fracassou em todos os seus sonhos?
Arcand -
Sim, mas não creio que isso seja inteiramente negativo. Eles tinham sonhos porque eram generosos. Quiseram crer no socialismo, no marxismo, no feminismo, em todos esses "ismos" dos quais hoje zombamos.
Eles acreditaram nisso não por egoísmo ou por um sonho individual, mas porque gostariam de ter uma outra sociedade e uma forma diferente de viver. Eram conduzidos por um sentimento generoso.
É verdade que, no momento em que se reúnem e que Remy avista a morte, ele está desorientado, porque todas as teorias nas quais acreditou se revelaram falsas.
Acho que isso vale para a maioria das pessoas na sociedade ocidental hoje. Não pudemos substituir o sonho socialista e não temos o que colocar em seu lugar. Não há teorias ou modelos aos quais possamos nos agarrar. Não existe quem tenha a solução. Eles [os personagens] se encontram nesse estado e, para mim, não é algo desprezível, porque viveram tentando fazer o melhor possível.

Folha - No entanto as relações amorosas e familiares dos personagens também são um fiasco.
Arcand -
Exatamente. Mas é preciso ter em conta que são canadenses oriundos de uma sociedade dos anos 50, com uma estrutura social extremamente sufocante, onde a religião católica dirigia tudo. Eles se revoltaram contra isso. Em sua revolta, liberaram a sociedade dos aparelhos religiosos e aproveitaram para se libertar, viveram a liberação sexual etc.
Ao final, descobriram que seus filhos sofreram terrivelmente com seus divórcios. Nesse ponto também não sabemos como se deve viver. Eles [os personagens] não sabem, eu tampouco. Se essa geração [a dos filhos] vai encontrar uma maneira diferente de viver, é uma questão para a qual não tenho resposta.

Folha - O sr. pretende refazer a pergunta daqui a alguns anos em um novo filme?
Arcand -
Hoje diria que não. Mas a inspiração é misteriosa. Se daqui a dez anos eu estiver com boa saúde e a vontade de fazer um filme, pode ser que retome este.


Veja programação e sinopses da 27ª Mostra BR de Cinema de SP em www.folha.com.br/especial/2003/mostrabrdecinema

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