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LITERATURA/"ESPERANDO GODOT"
Obra aproxima universo de Beckett
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Chega quase a surpreender
(positivamente) que, em um
país de poucos leitores, as editoras estejam dando um tratamento
tão especial a certos autores nos
últimos anos. É o caso dos contos
de Machado de Assis que vêm
sendo lançados pela Martins Fontes, das obras de Nabokov pela
Companhia das Letras, dos romances de Dostoiésvki pela ed. 34
ou dos textos de Samuel Beckett
pela Cosacnaify. Deste, acaba de
ser publicada a peça "Esperando
Godot", com tradução e prefácio
de Fábio de Souza Andrade, que
já vertera para o português "Fim
de Partida" e é também autor de
um ótimo estudo sobre o escritor
("O Silêncio Possível", ed. Ateliê).
Qualquer aproximação ao universo ficcional de Beckett é complicada. Até mesmo um resumo
de seus textos se torna uma tarefa
bem espinhosa, o que faz sentido
("não há nada para ver"), afinal
ele dinamita sistematicamente as
noções convencionais de narrativa e de gênero. Aqui, por exemplo, tem-se dois homens, Vladimir e Estragon, que não podem
sair do lugar em que estão porque
precisam esperar por um Godot
que nunca chega. Enquanto isso,
conversam sobre quase nada e interagem com uma outra dupla,
Pozzo e Lucky, sobre a qual o leitor/espectador fica sabendo menos ainda. Não é por acaso que o
título de um ensaio sobre a outra
peça fundamental do escritor feito pelo filósofo alemão Theodor
Adorno seja "Tentando Entender
"Fim de Partida'"...
Repetições constantes, referências às vezes veladas, às vezes não,
às tradições literárias, filosóficas e
religiosas, jogos de simetria e assimetria obsessivos, memórias apagadas quase instantaneamente
povoam a peça e, ao mesmo tempo, convidam à interpretação.
Como diz Estragon, "nada a fazer
a respeito". Na verdade, não é
bem assim, como prova a quantidade de livros e artigos que "tentam entender", com variadas doses de sucesso, a ficção do autor.
Mas há também quem desista,
ou melhor, escolha um atalho, como o renomado crítico beckettiano Raymond Federman, que, depois de mais de 40 anos tentando
entender, chegou à conclusão de
que não havia um "sentido oculto" a ser decifrado naqueles textos, não havia ali uma simbologia:
(Vladimir) "Isso está ficando cada
vez mais insignificante". (Estragon) "Não o suficiente. Ainda".
Para ele, não se trata de significado, e sim de superfície, da forma
da linguagem: Beckett pintava
quadros com palavras, e sua obra,
como Federman demonstra a
partir da "exposição" de vários
trechos, correria paralela à evolução da pintura no século 20, passando pelo neo-impressionismo,
pelo expressionismo, pelo cubismo, pelo surrealismo, pelo expressionismo abstrato, por experimentações geométricas etc.
Pode-se concordar, pode-se discordar, mas o exemplo dá a dimensão da importância desse irlandês que escrevia em inglês e
francês e que agora, felizmente,
está um pouco mais acessível a
quem lê português.
Adriano Schwartz é professor de arte,
literatura e cultura no Brasil da Escola de
Artes, Ciências e Humanidades da USP
- Leste e autor de "O Abismo Invertido"
Esperando Godot
Autor: Samuel Beckett
Tradução: Fábio de Souza Andrade
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 48 (240 págs.)
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