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MEMÓRIA
Sambista foi por aí
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
"Eu sou o samba/ A voz do morro sou eu mesmo, sim, senhor/
Quero mostrar ao mundo que tenho valor...", bradava Jorge Goulart em 1955. A canção, "A Voz do
Morro", era de Zé Keti, sambista
ortodoxo já gravado, sem alarde,
desde os anos 40 por Cyro Monteiro, Linda Baptista e Jamelão.
Prefigurava uma queixa que ainda estava por vir, e da qual Zé Keti
se faria porta-estandarte.
Na sequência, "A Voz do Morro" fez-se tema de "Rio, 40 Graus"
(55), filme de Nelson Pereira dos
Santos que antecipou o advento
do cinema novo -o qual, por sua
vez, abraçaria com entusiasmo os
sambas de Zé Keti em diversas de
suas trilhas sonoras.
Em "Rio, 40 Graus", casavam-se
os interesses de cunho social do
cineasta culto e os do sambista de
morro -mas não havia ainda
bossa nova. Depois dela, 58
adiante, samba ortodoxo perdeu
moda e credibilidade, e "A Voz do
Morro", nos 60, se transfigurou
em canto ressentido de resistência. Por aí, já nem tudo eram barquinhos na bossa, e alguns de seus
integrantes se alinharam com os
preceitos do cinema novo e dos
CPCs da UNE, rejeitando a "alienação" de banquinhos e violões.
Não por acaso, quem foi chamado à luta foi Zé Keti. Nara, inspirando-se em Elizeth Cardoso,
começou a gravá-lo já em seu disco de estréia, de 64, em que cantou "Diz Que Fui por Aí".
No mesmo ano, Zé Keti estreou,
com Nara Leão e o maranhense
João do Vale -a mocinha fina e
os homens rudes do morro carioca e do sertão nordestino unidos
num só propósito, num só clichê
de Brasil-, o show "Opinião",
em que floresceram temas de protesto de Zé, como "O Favelado",
"Nega Dina", "Opinião" etc.
Era o samba inscrito na corrente da canção de protesto, fazendo
par indignado com as elaborações
de Edu Lobo, Geraldo Vandré,
Guarnieri, Carlos Lyra.
O protesto não era só sociopolítico. Nem por acaso, "A Voz do
Morro" tornou-se nome do conjunto de samba teimoso que deu
ao próprio Zé Keti a chance de estrear como cantor.
Liderou o Conjunto A Voz do
Morro, que lançou três discos entre 65 e 66 e congregava ninguém
menos que Elton Medeiros, Nelson Sargento, Jair do Cavaquinho
e o jovem e emergente Paulinho
da Viola, entre outros.
Enquanto Nara pronunciava
seu "Samba da Legalidade" (65),
os temas do conjunto vasculhavam dramas de subúrbio como os
de "Mascarada" e "Sorri" (parcerias com Elton Medeiros); Wilson
Simonal, por sua vez, tomava o lado mais tênue do autor, detendo-se em "As Moças do Meu Tempo". Havia Zé Keti para todos.
Mas seus anos de glória estariam fadados a se restringir ao
triângulo 64/66, e o advento do
tropicalismo em 67/ 68 lançou a
pá de cal. Zé foi sendo lançado à
marginalidade, gravando alguns
discos solo e caindo nas bocas de
Paulinho da Viola ("O Meu Pecado", em 70, "Jaqueira da Portela",
em 75), Nana Caymmi ("Diz Que
Fui por Aí", em 73), Luiz Melodia
("A Voz do Morro", em 78).
Dos 80 em diante, foi ficando na
história e saindo dos discos. Nos
90, afora gravações -Paulinho
Boca de Cantor em "Nega Dina",
Paulinho da Viola em "As Moças
do Meu Tempo", um disco de Elton Medeiros, Zé Renato e Mariana de Moraes, tudo isso em 97-,
foi pouco falado e cantado. Era, de
fato, de outro tempo.
Como peça de despedida, fica
"Diz Que Fui por Aí", recém-regravada por Luiz Melodia, o mesmo que havia usado o conceito
comprimido em "A Voz do Morro" para ironizar críticas de que
ele, Melodia, mais afeito ao "som
universal", houvesse "traído" o
samba. O conceito comprimido
fica em "A Voz do Morro", Zé Keti foi por aí.
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