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CRÍTICA
Forma simples forja disco de artista que não teme idade
DO ENVIADO AO RIO
E m seu quarto álbum de inéditas, Fernanda Abreu resolveu simplificar, ao menos na aparência. Ela não é mais a garota sintonizada com as últimas novidades do "black pop" estrangeiro;
deixou baixar a poeira e soa, em
"Entidade Urbana", como uma
funkeira dos anos 70 que houvesse escutado rap dos 80 e 90.
Já não é a inovadora que, mesmo sem querer, ofereceu há dez
anos as condições iniciais para
que o Brasil se abrisse a algo além
do binômio rock/MPB tradicional que o dominara na década anterior. Nem a que iniciou, já em
92, a nova regra, de mistura entre
referências quaisquer de fora com
raízes afro-brasileiras, que o mangue beat usaria como ninguém.
Também não é mais a fundamentalista carioca de "Da Lata"
(95), ainda que insista na obsessão temática, agora com essa coisa das cidades todas em cada poro. Nem se aproxima tanto da
contemporaneidade tecno que ela
gosta de citar (aqui, só em "Meu
CEP É o Seu" há referência mais
nítida de drum'n'bass).
Mas nada disso é demérito para
a sequência de sua trajetória musical. O simples, em seu caso, forja-se competente, despojado e
gostoso de acompanhar.
"Entidade Urbana" é um punhado de melodias polpudas
("Sou da Cidade", "Eu Quero
Sol"), de balanços samba-funk
("Rosa Que Se Mexe", "Baile da
Pesada" -"Music" de uma Madonna que fosse provinciana,
charmosa de "charm" e orgulhosa de si-, "Zona Norte-Zona
Sul"), letras loucas de Fausto Fawcett ("Megalópole-Cidade"), um
ou outro tiro no escuro ("São
Paulo-SP", bem alien).
A simplicidade, enfim, se assoma ilusória, fruto que é de intensa
elaboração. Esta se aloja nas frestas, em detalhes de início imperceptíveis -o finalzinho de "Eu
Quero Sol" aqui, o clima tenso e
suave de "Meu CEP É o Seu" ali.
Resulta, no melhor de seus piques, nos sofisticados arranjos
vocais conduzidos com o irmão
Felipe, lancinantes em faixas como "Fatos e Fotos" (muito, muito
black Rio) e "Meu CEP É o Seu".
Chega ao quase sublime já ao final, em "Paisagem de Amor",
única real balada do disco -elas
fazem falta, sempre foram um dos
pontos de ataque da artista, lembre-se de "Speed Racer" ou "Você
pra Mim" (ambas de 90). As veias
metropolitanas de "Entidade Urbana" conspiram para o final melancólico, quase desmontando as
teses urdidas, mas reiterando a
habilidade intuitiva da artista.
No todo, Fernanda Abreu parece não ter medo da idade, e se
aceita já como uma mãezinha que
brincou de ousar quando mais
moça, mas já sabe, quase quarentona, que é a vez da nova molecada. Ela só quer se divertir, não
sem as dosagens recomendáveis
de arte pop.
(PAS)
Entidade Urbana
Artista: Fernanda Abreu
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 20, em média
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