São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 2000

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CRÍTICA
Forma simples forja disco de artista que não teme idade

DO ENVIADO AO RIO

E m seu quarto álbum de inéditas, Fernanda Abreu resolveu simplificar, ao menos na aparência. Ela não é mais a garota sintonizada com as últimas novidades do "black pop" estrangeiro; deixou baixar a poeira e soa, em "Entidade Urbana", como uma funkeira dos anos 70 que houvesse escutado rap dos 80 e 90.
Já não é a inovadora que, mesmo sem querer, ofereceu há dez anos as condições iniciais para que o Brasil se abrisse a algo além do binômio rock/MPB tradicional que o dominara na década anterior. Nem a que iniciou, já em 92, a nova regra, de mistura entre referências quaisquer de fora com raízes afro-brasileiras, que o mangue beat usaria como ninguém.
Também não é mais a fundamentalista carioca de "Da Lata" (95), ainda que insista na obsessão temática, agora com essa coisa das cidades todas em cada poro. Nem se aproxima tanto da contemporaneidade tecno que ela gosta de citar (aqui, só em "Meu CEP É o Seu" há referência mais nítida de drum'n'bass).
Mas nada disso é demérito para a sequência de sua trajetória musical. O simples, em seu caso, forja-se competente, despojado e gostoso de acompanhar.
"Entidade Urbana" é um punhado de melodias polpudas ("Sou da Cidade", "Eu Quero Sol"), de balanços samba-funk ("Rosa Que Se Mexe", "Baile da Pesada" -"Music" de uma Madonna que fosse provinciana, charmosa de "charm" e orgulhosa de si-, "Zona Norte-Zona Sul"), letras loucas de Fausto Fawcett ("Megalópole-Cidade"), um ou outro tiro no escuro ("São Paulo-SP", bem alien).
A simplicidade, enfim, se assoma ilusória, fruto que é de intensa elaboração. Esta se aloja nas frestas, em detalhes de início imperceptíveis -o finalzinho de "Eu Quero Sol" aqui, o clima tenso e suave de "Meu CEP É o Seu" ali.
Resulta, no melhor de seus piques, nos sofisticados arranjos vocais conduzidos com o irmão Felipe, lancinantes em faixas como "Fatos e Fotos" (muito, muito black Rio) e "Meu CEP É o Seu".
Chega ao quase sublime já ao final, em "Paisagem de Amor", única real balada do disco -elas fazem falta, sempre foram um dos pontos de ataque da artista, lembre-se de "Speed Racer" ou "Você pra Mim" (ambas de 90). As veias metropolitanas de "Entidade Urbana" conspiram para o final melancólico, quase desmontando as teses urdidas, mas reiterando a habilidade intuitiva da artista.
No todo, Fernanda Abreu parece não ter medo da idade, e se aceita já como uma mãezinha que brincou de ousar quando mais moça, mas já sabe, quase quarentona, que é a vez da nova molecada. Ela só quer se divertir, não sem as dosagens recomendáveis de arte pop. (PAS)


Entidade Urbana
    Artista: Fernanda Abreu Lançamento: EMI Quanto: R$ 20, em média




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