São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 2000

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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Antonio Meneses enche a música com sutilezas

ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A tempestade foi boa. A bonança, menos: a sinfonia "Pastoral", sendo uma das obras mais conhecidas de Beethoven (1772-1827), seus pastores e riachos precisam de uma dose extra de imaginação para voltar à vida. Mas, afinal, ninguém foi ao teatro Cultura Artística anteontem para escutar a Orquestra Filarmônica da Renânia. Foi para escutar Antonio Meneses. Que nunca é menos que Antonio Meneses e, nessa noite, foi até um pouco mais.
Indo de trás para diante. Exemplo do que pode um grande músico: a nota final da "Elegia" de Fauré (1845-1924), que Meneses tocou de bis, é um dó grave, a quarta corda solta do violoncelo. Tecnicamente, você e eu podemos tocar essa nota. Mas que diferença quando um músico desses constrói a chegada no dó como ele construiu! Um dó é um dó é um dó? Não para Meneses, que fez convergir para essa nota longa e escura todo o sentido da elegia.
O mesmo pode ser dito do final do "Concerto para Violoncelo e Orquestra" de Dvorak (1841-1904). Um fá sustenido, simples, parado, que começa lá longe, sem lustro, e vem crescendo, com a intensidade de um sentimento, até pular para o si, que arrebata o concerto, o violoncelista, a orquestra e cada um de nós. São só duas notas, a dominante e a tônica. Tocadas assim, guardam tudo o que há para dizer.
O "Concerto" é fácil de ouvir e difícil de tocar. Uma das virtudes de Meneses é não fazer tudo parecer fácil, embora ele vença as dificuldades com a franqueza natural de quem saboreia um copo d'água. A dificuldade faz parte da experiência da música. Um concerto é para ser visto também e a dimensão atlética da música só não entusiasma quem nunca tocou um instrumento. Arabescos e arpejos nas alturas da primeira corda são uns dos tantos exercícios que essa música impõe para chegar ao entendimento.
Uma outra dimensão, menos óbvia, de transcendência é o tempo. E desta perspectiva a orquestra ficou devendo bastante ao solista. Meneses tem um sentido maravilhoso da plasticidade da música, não apenas dentro de cada frase, mas na grande idéia de cada movimento, e até na sequência desses. A música tem zonas de intensidade e zonas de relaxamento, áreas de aceleração e compactação, espaços de descanso e devaneio. São sutilezas, que a Filarmônica da Renânia acompanhou sem chegar a acompanhar de verdade. O maestro Theodor Guschlbauer é claro e eficiente; a orquestra é segura e afinada. Um e outro cresceram na vizinhança de Meneses, mas não o bastante para mudar de mundo.
Até a platéia cresce, escutando um músico que enche a música de música como Meneses. Sai cada um com música dentro, amuleto e bálsamo para a batalha dos dias.


Antonio Meneses e a Filarmônica da Renânia
     Quando: hoje, às 21h Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 0/xx/11/258-3616) Quanto: de R$ 80 a R$ 180




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