São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2001

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MÚSICA ERUDITA

Penderecki, frustrante e interessante

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

- Mas não era para Penderecki estar na platéia?
- Era, mas teve problemas com uma conexão aérea e acabou ficando no Japão. Isso não importa. O que importa é a música, e a música estava lá: um novo sexteto de Penderecki, estreado em julho de 2000 no festival de Prades e trazido, agora, a São Paulo. Por seis músicos -três franceses, dois finlandeses, um americano-, oportunamente reunidos como Sexteto Penderecki.
Também tocaram o "Quarteto para Piano e Cordas Nš 1", de Brahms (1833-97), com o maravilhoso episódio lento no meio do "Rondó" final. Os irmãos Pasquier -o violinista Régis e o violista Bruno- são instrumentistas franceses por excelência, à moda antiga. Não têm o apuro olímpico de colegas mais jovens do outro lado do Atlântico, que hoje ditam nossa expectativa; mas compensam tudo com o tom. A arte imita a vida: lembra o som dos LPs, que muita gente prefere ao dos CDs.
Não estavam em plena forma? Não. Nem o pianista Juhani Lagerspetz deu conta das enormidades de Brahms. O violoncelista Arto Noras foi quem se saiu melhor, se é para avaliar os músicos individualmente.
O fato é que Brahms -este Brahms em particular, com suas façanhas de engenharia temática- exige um grau de organicidade e um nível de detalhamento expressivo que os quatro simplesmente não mostraram, ou pelo menos não o tempo todo. O que não quer dizer que não tenham tocado bem. Só não tocaram tão bem quanto podem tocar.
Por outro lado... voltaram na segunda parte acompanhados do clarinetista Michel Lethiec e do trompista Eric Ruske e tocaram Penderecki para valer. O "Sexteto" não é só tecnicamente difícil -métrica complexa, narrativa interrompida, notas agudíssimas no clarinete, arabescos afegãos na trompa, harmônicos aberratórios nas cordas. É difícil de pensar. Penderecki compõe pelo conteúdo, mais do que pela forma; tem o que dizer, e não facilita.
Por outro lado... será que um concerto pode ser frustrante e interessante ao mesmo tempo? Para quem esperava escutar uma composição nova, no sentido forte da palavra -música que abre alguma coisa, que faz ver o que estava aí e nunca se tinha visto-, o "Sexteto" foi um balde de neve.
Penderecki já foi um dos nomes de ponta da música européia. Nunca chegou a ser universalmente admirado por seus colegas de ramo; as grandes peças do início da carreira, como "Trenodia para as Vítimas de Hiroshima" e a "Paixão Segundo São Lucas", conquistaram platéias normalmente avessas à música nova; mas os efeitos sonoros inspirados (glissandos, clusters, entonação original) acabaram se mostrando isso: efeitos inspirados.
Chegando aos 70 anos (amanhã), a inspiração mais óbvia de Penderecki, a julgar pelo "Sexteto", não é mais ele mesmo. É Shostakovich (1906-75). Outra, só pouco menos evidente, é Lutoslavski (1913-94). O início do "Sexteto" -e o final, com a cadência do violoncelo nas alturas, e o retorno à nota repetida do começo- praticamente cita o "Concerto para Violoncelo e Orquestra" de Lutoslavski. Mas num outro contexto, que olha muito mais para trás do que para a frente.
Que a legitimidade de uma peça não depende de seu grau de vanguarda já ficou provado com a música de Richard Strauss (1864-1949): em sua época, estava quase totalmente fora de época; hoje virou uma das imagens definitivas dessa mesma época. Por outro lado... se não é o fato de Penderecki escrever fugatos e tangatos que faz dele anátema para nossos ouvidos, também não é o fato de não escrever música nova que faz dessa uma composição relevante.
Para ser mais claro: Penderecki é um compositor de verdade. Tem não apenas domínio do que faz, como personalidade, presença, um sentido humano que se faz sentir logo e não esmorece ao longo de mais de meia hora de música. Com tudo isso, se o "Sexteto", afinal, não impressiona, é porque não se ergue muito acima do pastiche. O compositor quer habitar as formas, valer-se delas com naturalidade, para chegar a uma expressão relevante. O frustrante é que acaba só reproduzindo essas mesmas velhas e gastas formas. E o que ele tem a dizer acaba coincidindo com o que as formas gastas diziam.
- Lacan explica. Afinal: duas estrelas?
- Assim também não. Três.


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