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MÚSICA ERUDITA
Penderecki, frustrante e interessante
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
- Mas não era para Penderecki estar na platéia?
- Era, mas teve problemas com
uma conexão aérea e acabou ficando no Japão. Isso não importa.
O que importa é a música, e a música estava lá: um novo sexteto de
Penderecki, estreado em julho de
2000 no festival de Prades e trazido, agora, a São Paulo. Por seis
músicos -três franceses, dois finlandeses, um americano-,
oportunamente reunidos como
Sexteto Penderecki.
Também tocaram o "Quarteto
para Piano e Cordas Nš 1", de
Brahms (1833-97), com o maravilhoso episódio lento no meio do
"Rondó" final. Os irmãos Pasquier -o violinista Régis e o violista Bruno- são instrumentistas
franceses por excelência, à moda
antiga. Não têm o apuro olímpico
de colegas mais jovens do outro
lado do Atlântico, que hoje ditam
nossa expectativa; mas compensam tudo com o tom. A arte imita
a vida: lembra o som dos LPs, que
muita gente prefere ao dos CDs.
Não estavam em plena forma?
Não. Nem o pianista Juhani Lagerspetz deu conta das enormidades de Brahms. O violoncelista
Arto Noras foi quem se saiu melhor, se é para avaliar os músicos
individualmente.
O fato é que Brahms -este
Brahms em particular, com suas
façanhas de engenharia temática- exige um grau de organicidade e um nível de detalhamento
expressivo que os quatro simplesmente não mostraram, ou pelo
menos não o tempo todo. O que
não quer dizer que não tenham
tocado bem. Só não tocaram tão
bem quanto podem tocar.
Por outro lado... voltaram na segunda parte acompanhados do
clarinetista Michel Lethiec e do
trompista Eric Ruske e tocaram
Penderecki para valer. O "Sexteto" não é só tecnicamente difícil
-métrica complexa, narrativa
interrompida, notas agudíssimas
no clarinete, arabescos afegãos na
trompa, harmônicos aberratórios
nas cordas. É difícil de pensar.
Penderecki compõe pelo conteúdo, mais do que pela forma; tem o
que dizer, e não facilita.
Por outro lado... será que um
concerto pode ser frustrante e interessante ao mesmo tempo? Para
quem esperava escutar uma composição nova, no sentido forte da
palavra -música que abre alguma coisa, que faz ver o que estava
aí e nunca se tinha visto-, o
"Sexteto" foi um balde de neve.
Penderecki já foi um dos nomes
de ponta da música européia.
Nunca chegou a ser universalmente admirado por seus colegas
de ramo; as grandes peças do início da carreira, como "Trenodia
para as Vítimas de Hiroshima" e a
"Paixão Segundo São Lucas",
conquistaram platéias normalmente avessas à música nova; mas
os efeitos sonoros inspirados
(glissandos, clusters, entonação
original) acabaram se mostrando
isso: efeitos inspirados.
Chegando aos 70 anos (amanhã), a inspiração mais óbvia de
Penderecki, a julgar pelo "Sexteto", não é mais ele mesmo. É
Shostakovich (1906-75). Outra, só
pouco menos evidente, é Lutoslavski (1913-94). O início do "Sexteto" -e o final, com a cadência
do violoncelo nas alturas, e o retorno à nota repetida do começo- praticamente cita o "Concerto para Violoncelo e Orquestra" de Lutoslavski. Mas num outro contexto, que olha muito mais
para trás do que para a frente.
Que a legitimidade de uma peça
não depende de seu grau de vanguarda já ficou provado com a
música de Richard Strauss (1864-1949): em sua época, estava quase
totalmente fora de época; hoje virou uma das imagens definitivas
dessa mesma época. Por outro lado... se não é o fato de Penderecki
escrever fugatos e tangatos que
faz dele anátema para nossos ouvidos, também não é o fato de não
escrever música nova que faz dessa uma composição relevante.
Para ser mais claro: Penderecki
é um compositor de verdade.
Tem não apenas domínio do que
faz, como personalidade, presença, um sentido humano que se faz
sentir logo e não esmorece ao longo de mais de meia hora de música. Com tudo isso, se o "Sexteto",
afinal, não impressiona, é porque
não se ergue muito acima do pastiche. O compositor quer habitar
as formas, valer-se delas com naturalidade, para chegar a uma expressão relevante. O frustrante é
que acaba só reproduzindo essas
mesmas velhas e gastas formas. E
o que ele tem a dizer acaba coincidindo com o que as formas gastas
diziam.
- Lacan explica. Afinal: duas estrelas?
- Assim também não. Três.
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