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MÚSICA
"O Homem dos Crocodilos" tem pré-estréia hoje, com música do paranaense e texto do argentino Alberto Muñoz
Arrigo faz ópera e psicanálise se visitarem
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
A psicanálise vai à ópera, ou vice-versa. O músico pop-erudito
paranaense Arrigo Barnabé, 50,
encerra fase de criação emperrada
e apresenta a São Paulo, a partir
de hoje, com pré-estréia só para
convidados, a ópera de câmara
"O Homem dos Crocodilos - Um
Caso Clínico em Dois Atos".
Inspirada no caso de um neurótico obsessivo que Sigmund
Freud (1856-1939) analisou e apelidou de "homem dos lobos", a
ópera trata de um músico que se
sente impedido de compor porque acha que a tampa do piano
vai cair e cortar seus dedos.
Não é uma obra solitária de Arrigo, que pediu auxílio ao poeta,
músico e dramaturgo argentino
Alberto Muñoz, 50, para a confecção do libreto. Num processo iniciado em 94, a obra se desenvolveu entre São Paulo e Buenos Aires e acabou assim dividida: Muñoz, que também é formado em
psicologia, escreveu o texto; Arrigo elaborou a parte musical.
Muñoz, recém-chegado a São
Paulo para acompanhar a estréia,
conta como se deu a associação:
"Um dia recebi uma fita de música sem nenhuma identificação,
mas ouvi aquilo e vi que era tudo
o que eu gostaria de ser musicalmente. Depois de muito tempo,
um aluno me trouxe o disco "Tubarões Voadores" (84), e descobri
que era Arrigo Barnabé. Mas me
disseram que ele era negro".
"Acho que me confundiram
com Itamar Assumpção", ri Arrigo. "Eu soube de sua admiração
por mim em 94, quando, num festival de teatro em Londrina (PR),
conheci o produtor argentino
Carlos Villalba. Ele pedia informações sobre mim, sem saber
que eu estava lá nem que eu havia
nascido em Londrina."
Villalba fez a ponte, e Arrigo
acabou viajando a Buenos Aires
-para comprar "O Homem dos
Lobos", que no Brasil não encontrava fora do modelo "obras completas de Freud", e para conhecer
Muñoz. Encontraram-se, e não só
Arrigo se apresentou a seu fã como passou a conhecer as idéias de
"teatro para os ouvidos", defendidas pelo artista argentino.
A afinidade foi espontânea, e
novas coincidências se revelaram.
Se Arrigo, de cá, colocava sua
obra às voltas com crocodilos e
tubarões, de lá Muñoz já sondara
artisticamente a vida dos macacos
e escrevera "A Paixão Segundo os
Hipopótamos". "Isso não quer dizer que sejamos "animalistas'",
brinca Muñoz. "Usamos os animais como signos de representação de atitudes humanas."
O convite de parceria partiu, afinal, de Arrigo, e foi recebido com
entusiasmo por Muñoz. "A linguagem musical, para mim, havia
alcançado um teto, e a partir daí
era só repetição. O encontro com
Arrigo significou o encontro com
um irmão artístico com muito
mais linguagem musical que eu."
Juntos, foram tecendo relações
entre Freud, a obra fundadora de
Arrigo ("Clara Crocodilo", de 80),
até a coincidência de a psicanalista de Muñoz se chamar Clara. A
atriz e cantora Cida Moreira, também intérprete de "Clara Crocodilo" e também psicanalista, foi
convocada para o papel de Clara.
O jovem Tiago Pinheiro ficou
com o personagem do músico
Antônio da Ponte (Arrigo pensara em interpretá-lo, mas desistiu
por julgar que precisava de um
cantor de fato). Os cantores líricos
Celine Imbert e Sandro Cristopher interpretam a mãe e o pai de
Antônio. Arrigo e Ana Amélia fazem vezes de narradores, e Carlos
Careqa tem participação especial.
Luís Gê, parceiro de Arrigo dos
tempos de "Tubarões Voadores",
ficou com a função de dotar um
dos segmentos pop da ópera (que
é erudita, segundo opinião unânime de criadores e elenco) da linguagem dos quadrinhos.
Da relação entre os personagens
de Tiago e Celine se desenvolve o
"caso clínico" do título, iniciado
pela visão do protagonista, aos
cinco anos, de sua mãe, nua, tocando violoncelo. Projetada na
parede, a sombra revelava-a atravessada pelo arco do cello, imprimindo no futuro artista imagem
castradora de morte e sexo.
À pergunta que ronda o tempo
todo, então: o caso clínico do criador temeroso do piano-crocodilo
é autobiográfico? "Nós dois somos o homem do crocodilo, mas
não é uma história autobiográfica", começa Muñoz.
"Quando comecei a criar esse
trabalho, passava por um período
de crise, estava mesmo abandonando a carreira musical, vendo
que não havia mais perspectiva
no Brasil. Apesar disso, não tem
muito a ver com minha história
musical. É apenas uma história
que me atrai", completa Arrigo.
O HOMEM DOS CROCODILOS - ópera
contemporânea de Arrigo Barnabé e
Alberto Muñoz. Onde: Centro Cultural
Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112,
Centro, SP). Quando: pré-estréia hoje, às
18h; em cartaz de 16 a 18 e 21 a 25 de
novembro, às 18h. Quanto: R$ 15.
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