São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2001

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MÚSICA

"O Homem dos Crocodilos" tem pré-estréia hoje, com música do paranaense e texto do argentino Alberto Muñoz

Arrigo faz ópera e psicanálise se visitarem

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

A psicanálise vai à ópera, ou vice-versa. O músico pop-erudito paranaense Arrigo Barnabé, 50, encerra fase de criação emperrada e apresenta a São Paulo, a partir de hoje, com pré-estréia só para convidados, a ópera de câmara "O Homem dos Crocodilos - Um Caso Clínico em Dois Atos".
Inspirada no caso de um neurótico obsessivo que Sigmund Freud (1856-1939) analisou e apelidou de "homem dos lobos", a ópera trata de um músico que se sente impedido de compor porque acha que a tampa do piano vai cair e cortar seus dedos.
Não é uma obra solitária de Arrigo, que pediu auxílio ao poeta, músico e dramaturgo argentino Alberto Muñoz, 50, para a confecção do libreto. Num processo iniciado em 94, a obra se desenvolveu entre São Paulo e Buenos Aires e acabou assim dividida: Muñoz, que também é formado em psicologia, escreveu o texto; Arrigo elaborou a parte musical.
Muñoz, recém-chegado a São Paulo para acompanhar a estréia, conta como se deu a associação: "Um dia recebi uma fita de música sem nenhuma identificação, mas ouvi aquilo e vi que era tudo o que eu gostaria de ser musicalmente. Depois de muito tempo, um aluno me trouxe o disco "Tubarões Voadores" (84), e descobri que era Arrigo Barnabé. Mas me disseram que ele era negro".
"Acho que me confundiram com Itamar Assumpção", ri Arrigo. "Eu soube de sua admiração por mim em 94, quando, num festival de teatro em Londrina (PR), conheci o produtor argentino Carlos Villalba. Ele pedia informações sobre mim, sem saber que eu estava lá nem que eu havia nascido em Londrina."
Villalba fez a ponte, e Arrigo acabou viajando a Buenos Aires -para comprar "O Homem dos Lobos", que no Brasil não encontrava fora do modelo "obras completas de Freud", e para conhecer Muñoz. Encontraram-se, e não só Arrigo se apresentou a seu fã como passou a conhecer as idéias de "teatro para os ouvidos", defendidas pelo artista argentino.
A afinidade foi espontânea, e novas coincidências se revelaram. Se Arrigo, de cá, colocava sua obra às voltas com crocodilos e tubarões, de lá Muñoz já sondara artisticamente a vida dos macacos e escrevera "A Paixão Segundo os Hipopótamos". "Isso não quer dizer que sejamos "animalistas'", brinca Muñoz. "Usamos os animais como signos de representação de atitudes humanas."
O convite de parceria partiu, afinal, de Arrigo, e foi recebido com entusiasmo por Muñoz. "A linguagem musical, para mim, havia alcançado um teto, e a partir daí era só repetição. O encontro com Arrigo significou o encontro com um irmão artístico com muito mais linguagem musical que eu."
Juntos, foram tecendo relações entre Freud, a obra fundadora de Arrigo ("Clara Crocodilo", de 80), até a coincidência de a psicanalista de Muñoz se chamar Clara. A atriz e cantora Cida Moreira, também intérprete de "Clara Crocodilo" e também psicanalista, foi convocada para o papel de Clara.
O jovem Tiago Pinheiro ficou com o personagem do músico Antônio da Ponte (Arrigo pensara em interpretá-lo, mas desistiu por julgar que precisava de um cantor de fato). Os cantores líricos Celine Imbert e Sandro Cristopher interpretam a mãe e o pai de Antônio. Arrigo e Ana Amélia fazem vezes de narradores, e Carlos Careqa tem participação especial.
Luís Gê, parceiro de Arrigo dos tempos de "Tubarões Voadores", ficou com a função de dotar um dos segmentos pop da ópera (que é erudita, segundo opinião unânime de criadores e elenco) da linguagem dos quadrinhos.
Da relação entre os personagens de Tiago e Celine se desenvolve o "caso clínico" do título, iniciado pela visão do protagonista, aos cinco anos, de sua mãe, nua, tocando violoncelo. Projetada na parede, a sombra revelava-a atravessada pelo arco do cello, imprimindo no futuro artista imagem castradora de morte e sexo.
À pergunta que ronda o tempo todo, então: o caso clínico do criador temeroso do piano-crocodilo é autobiográfico? "Nós dois somos o homem do crocodilo, mas não é uma história autobiográfica", começa Muñoz.
"Quando comecei a criar esse trabalho, passava por um período de crise, estava mesmo abandonando a carreira musical, vendo que não havia mais perspectiva no Brasil. Apesar disso, não tem muito a ver com minha história musical. É apenas uma história que me atrai", completa Arrigo.


O HOMEM DOS CROCODILOS - ópera contemporânea de Arrigo Barnabé e Alberto Muñoz. Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, Centro, SP). Quando: pré-estréia hoje, às 18h; em cartaz de 16 a 18 e 21 a 25 de novembro, às 18h. Quanto: R$ 15.


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