São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2001

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"NOITES DO NORTE AO VIVO"

Caetano permite as dúvidas em CD

DA REPORTAGEM LOCAL

No palco, "Noites do Norte", de Caetano Veloso, era um espetáculo de alto impacto -musical em primeiro grau, mas também visual, cenográfico, gestual. Em DVD talvez conserve parcela substancial de tal impacto. Como o disco agora lançado, tem seus lampejos, mas perde em relação aos outros formatos.
É que, embora o artista tenha optado pela reprodução do show na íntegra, em dois CDs, com as canções na ordem em que ocorriam, já não é o show "Noites do Norte" que se pode apreciar aqui.
Isso não lhe rouba a excelência que possuía, é claro, mas provoca a diluição da comunhão tensa que havia entre o som e as evoluções táticas do Caetano "showman", ou do embate cru e doloroso do Caetano "neo-abolicionista" com músicos negros estrategicamente refugiados na "cozinha" do palco.
Acompanhar músicos jovens (e outros não tão jovens) imprimindo intervenções lancinantes sobre a obra de Caetano não era só ouvir música, era integral -e ardia.
Aqui, no CD, é preciso domar a atenção para perceber que a música de Caetano hoje se mostra mais penetrável -mais parangolé?- quando ruídos desconfortáveis e vibrações tensas atravessam seu canto hoje já tornado convencional, como em "Cajuína", "Haiti", "Tigresa", "Tropicália".
Subtraído o bombardeio coordenado que regia a integridade cênica do show, "Noites do Norte ao Vivo" se torna álbum inconstante, às vezes saboroso, às vezes arrastado. Ora é vigoroso de novidade (como no diálogo briguento entre "Dom de Iludir" e o funk do tapinha, ou quando o autor canta músicas tipo "lado B" que fizera para Angela Ro Ro, Marina Lima, Cássia Eller, A Cor do Som), ora fica meramente redundante (o poema-título, "Cobra Coral", "Rock'n'Raul", essas canções do disco anterior quase todas).
Aqui é nostálgico na medida do emocionante ("Escândalo", a que Ro Ro cantara em 81, ou "Magrelinha", que Luiz Melodia lançou em 73 e nunca fora gravada por Caetano), ali é emocional na medida do marketeiro (o público fazendo vocais para ele e Lulu Santos em "Como uma Onda").
Mas é quando menospreza as fórmulas tropicalistas de tese/antítese/síntese que Caetano exercita permitir-nos (e a si) o difícil benefício da dúvida. Assim, pode-se botar asas à imaginação: "Mimar Você" (95) seria só uma versão bonita da música da Timbalada ou uma "fisga-multidão" candidata a nova "Sozinho", o hit de 99? "Magrelinha" teria o mais inteligente arranjo que a canção de Melodia jamais sonhou receber ou seria balão de ensaio testando sofisticar a idéia de "Sozinho"? Ou tudo isso junto, sem síntese?
Ressalvas e aplausos à parte, "Noites do Norte ao Vivo" é um disco sério e longo. Servirá a quem não viu o show, talvez entedie quem esteve lá. É um disco inteiriço, embora desfalcado do que dava totalidade ao show de que foi extraído. Sem ser, er, "total", é um disco legal de Caetano, e um CD ao vivo decente. E sem "Sampa"!
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Noites do Norte ao Vivo    
Artista: Caetano Veloso
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 50, em média (CD duplo)



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