São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA/ESTRÉIAS

"HEDWIG"

Ópera-punk foi imaginada por John Cameron Mitchell durante vôo

Diretor cria transexual por rebeldia

MILLY LACOMBE
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES

O personagem transexual pós-punk Hedwig foi criado por John Cameron Mitchell, 38, que, cansado do corporativismo televisivo americano -do qual fazia parte trabalhando como ator em comédias-, decidiu entrar no teatro, um meio que, segundo ele, é infinitamente mais autêntico.
"Além de ser mais barato e fácil de montar, tem interação com a platéia e, o que é mais importante, possui uma comunidade mais unida, com menos egotrips."
A teoria de Mitchell sobre as diferenças entre um e outro meio afirma que o teatro é um ambiente mais saudável, porque não é possível se drogar tendo que fazer oito shows por noite. "Atores hollywoodianos são carentes, inseguros e usam drogas porque não têm a interação com a platéia para saber se estão agradando. Precisava fugir dessa neurose."
Na fuga, Mitchell escreveu sua obra mais célebre: uma ópera-punk cujo personagem central é um cantor transexual alemão que foge do comunismo em busca da fama na América.
Após sete anos de sucesso no circuito off-Broadway, ele decidiu que era hora de apresentar Hedwig ao mundo cinematográfico. "Havia imagens que eu gostaria de ver de forma mais alegórica."

Nascimento
Foi numa viagem de avião de Los Angeles para Nova York, há quase dez anos, que teve inspiração para começar sua ópera-punk. "O filme de bordo era muito ruim, e fui passear pelo avião. Conheci Stephen Trask [compositor e ator" e ali mesmo, a milhares de metros do solo e por pura insatisfação com o sistema, decidimos escrever algo que pudesse ser caracterizado como uma ironia pós-moderna. Foi um ato de pura e deliciosa rebeldia", diz.
Nascia Hedwig, cantor e compositor de rock que, ao chegar à América, se apaixona por Tommy Gnosis, personagem que simboliza o corporativismo norte-americano e que passa de amante a plagiador, fazendo sucesso à custa do talento de Hedwig.
"O nome Tommy Gnosis foi tirado da noção "nostic gospel", uma visão do gênesis na qual Eva é a doadora de sabedoria e força positiva. Hedwig é Adão e Eva juntos, o paraíso em um."
Mitchell explica que a teoria central da obra é a de que todos temos uma outra metade, princípio proposto por Platão sobre a filosofia da origem do amor.
A adaptação para o cinema foi sucesso de crítica, vencedora no Festival de Sundance e serviu para emancipar o personagem.
"Agora vou me dedicar a coisas novas. Fazer um filme semibiográfico sobre um garoto gay em uma escola católica irlandesa e depois um outro sobre sexo explícito, que aborde o tema de forma bacana, e não alienada e monótona como normalmente é feito."
A respeito de se entregar novamente ao corporativismo hollywoodiano, John Cameron Mitchell garante que agora tudo é diferente. "Hedwig me mostrou que é possível fazer cinema sem ter de fazer parte do sistema."


Texto Anterior: "Noites do Norte ao Vivo": Caetano permite as dúvidas em CD
Próximo Texto: Crítica: Longa é parábola moderna melhor que "Priscilla"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.