São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 2000

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CINEMA/ESTRÉIAS

"O VENTO NOS LEVARÁ"

Kiarostami esconde tesouro de busca por realidade



DA REDAÇÃO


A bbas Kiarostami não é um diretor de cinema de dar muito sossego aos espectadores.
Custou um pouco, mas havíamos nos acostumado a seu ritmo lento, aos percursos repetidos, às histórias minimalistas em que um pequeno acidente significava o que o naufrágio do Titanic ou uma nave espacial à deriva significa para o cinema americano.
"O Vento nos Levará", de 1999, nos joga no território da abstração. Aqui, o personagem -um engenheiro em uma aldeia no Curdistão iraniano- percorrerá as mesmas estradas sinuosas. Mas podemos nos perguntar: por quê?
Em outros filmes, sabíamos o que estava em questão. Aqui, bem menos. Por que o engenheiro está nessa aldeia? Em princípio, é um segredo. "Se perguntarem, diga que procuro um tesouro", diz.
O que faz o engenheiro? Passeia pela aldeia, desloca-se até o alto de um morro para falar no celular, conversa com seus companheiros de viagem (a quem nunca vemos), procura leite para o café da manhã, observa um homem cavando um buraco num cemitério.
Nos filmes anteriores de Kiarostami sabíamos, bem ou mal, com o que estávamos às voltas. Aqui, o sentido é sugerido, mas em seguida deslocado. Podemos nos perguntar se o homem é mesmo um engenheiro (não poderia ser um cineasta em busca de assunto?).
Em síntese, assim como as pessoas da aldeia, ignoramos quem são os protagonistas da história, seus motivos, o que buscam. Só temos contato com o tempo -a duração e a evolução das coisas.
Engana-se quem imaginar que Kiarostami tende a mostrar o que é a vida numa pequena aldeia. Ao contrário, de certa forma, postula a impossibilidade do documentário, isto é, da pretensão de mostrar "a realidade". A realidade é uma instância que não existe. Só a imaginação dá forma às coisas.
Na verdade, o filme trabalha dois pólos: a vida em germinação, com seus pequenos dramas, e a morte. Esse o objeto de interesse do suposto engenheiro. É isso também o que lhe escapa. Como as águas de um rio, a vida e a morte não podem ser apreendidas. São um mistério, um tesouro que busca. Mas o tesouro é a própria busca, não o que se encontra.
Nada do que vemos é especialmente significativo. É o correr do tempo, é sua incidência sobre as coisas que nos hipnotiza e nos carrega. Como a significar a pequenez de nossa compreensão diante da riqueza da vida. (IA)



O Vento nos Levará
Le Vent nous Emportera
   
Direção: Abbas Kiarostami
Produção: França/Irã, 1999
Com: Behzad Dourani Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Lumière e Sala UOL de Cinema





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