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CINEMA/ESTRÉIAS
"O VENTO NOS LEVARÁ"
Kiarostami esconde tesouro de busca por realidade
DA REDAÇÃO
A bbas Kiarostami não é
um diretor de cinema de dar
muito sossego aos espectadores.
Custou um pouco, mas havíamos nos acostumado a seu ritmo
lento, aos percursos repetidos, às
histórias minimalistas em que um
pequeno acidente significava o
que o naufrágio do Titanic ou
uma nave espacial à deriva significa para o cinema americano.
"O Vento nos Levará", de 1999,
nos joga no território da abstração. Aqui, o personagem -um
engenheiro em uma aldeia no
Curdistão iraniano- percorrerá
as mesmas estradas sinuosas. Mas
podemos nos perguntar: por quê?
Em outros filmes, sabíamos o
que estava em questão. Aqui, bem
menos. Por que o engenheiro está
nessa aldeia? Em princípio, é um
segredo. "Se perguntarem, diga
que procuro um tesouro", diz.
O que faz o engenheiro? Passeia
pela aldeia, desloca-se até o alto de
um morro para falar no celular,
conversa com seus companheiros
de viagem (a quem nunca vemos), procura leite para o café da
manhã, observa um homem cavando um buraco num cemitério.
Nos filmes anteriores de Kiarostami sabíamos, bem ou mal, com
o que estávamos às voltas. Aqui, o
sentido é sugerido, mas em seguida deslocado. Podemos nos perguntar se o homem é mesmo um
engenheiro (não poderia ser um
cineasta em busca de assunto?).
Em síntese, assim como as pessoas da aldeia, ignoramos quem
são os protagonistas da história,
seus motivos, o que buscam. Só
temos contato com o tempo -a
duração e a evolução das coisas.
Engana-se quem imaginar que
Kiarostami tende a mostrar o que
é a vida numa pequena aldeia. Ao
contrário, de certa forma, postula
a impossibilidade do documentário, isto é, da pretensão de mostrar "a realidade". A realidade é
uma instância que não existe. Só a
imaginação dá forma às coisas.
Na verdade, o filme trabalha
dois pólos: a vida em germinação,
com seus pequenos dramas, e a
morte. Esse o objeto de interesse
do suposto engenheiro. É isso
também o que lhe escapa. Como
as águas de um rio, a vida e a morte não podem ser apreendidas.
São um mistério, um tesouro que
busca. Mas o tesouro é a própria
busca, não o que se encontra.
Nada do que vemos é especialmente significativo. É o correr do
tempo, é sua incidência sobre as
coisas que nos hipnotiza e nos
carrega. Como a significar a pequenez de nossa compreensão
diante da riqueza da vida.
(IA)
O Vento nos Levará
Le Vent nous Emportera
Direção: Abbas Kiarostami
Produção: França/Irã, 1999
Com: Behzad Dourani
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco, Lumière e Sala UOL de Cinema
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