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CRÍTICA
Palavras fora do lugar reaquecem a TV
CRÍTICO DA FOLHA
No meio do seu zap tedioso,
você ouve lá da TV umas palavras que recorda do tempo das
prova de literatura do colégio. É a
história de um amanuense, pobre
barnabé, alma penada do serviço
público, personagem de Artur
Azevedo no conto "De Cima para
Baixo". É a ótima história da estupidez das hierarquias: um esporro
do ministro vai descendo até alcançar o último dos funcionários.
Sem ter em quem se vingar, o desalmado manda um pontapé no
mais pulguento dos vira-latas.
Será um pesadelo que precede o
sono? Amanuense? Mas a voz que
narra é conhecida, talvez da própria televisão, do cinema. É o ator
Matheus Nachtergaele que relata
o acontecido. Em um tempo em
que vemos televisão cada vez mais
sem ver nada, apenas mascando
uma espécie de chiclete para os
olhos, são as palavras que saltam
dos "Contos da Meia-Noite" que
nos reapresentam à TV. O que poderia espantar, atrai, nem que seja
por minutos.
É sempre um perigo juntar a arrogância ressentida da literatura
com a porosidade dos gestos de
um certo teatro. Eder Santos, o diretor do programa, ainda ligou a
isso alguns recursos das peças comerciais, como a projeção de
imagens sobre atores. Enxugou
tudo na edição, deu surrealismo
às imagens e soltou uma sonoplastia parecida com o hiper-realismo das novelas de rádio.
Mas isso é visto por causa do estranhamento das palavras fora de
lugar. Em "Um Apólogo", de Machado de Assis, contado por Marília Pêra, ouvimos uma linha dizer para uma agulha que é ela a artista, é ela que dá "feição aos babados". Aqueles babados, que não
são os "babados fortes" do léxico
clubber, chamam-nos de volta ao
sofá, à TV.
"Zap", ótimo conto (no papel)
de Moacyr Scliar, não oferece a
mesma perturbação, pois trata do
controle remoto, o que só serve
para ampliar a dose de metalinguagem, esse recurso que virou
uma desgraça moderninha na televisão. O Simões Lopes Neto por
Beth Goulart, com "Duelo de Farrapos", sim, uma doideira.
Mas nada que se comparasse ao
que fez Maria Luisa Mendonça
com "A Medalha", de Lygia Fagundes Telles. Que mulher entorpecida, parece que saiu sempre de
uma vasta nuvem de ópio. Fez o
impossível: que um conto parecesse melhor na TV do que no livro. E a direção assombrou ainda
mais a meia-noite, com um gato à
Edgar Allan Poe contracenando
com a moça.
(XICO SÁ)
Contos da Meia-Noite
Quando: seg. a sex., à 0h, na TV Cultura
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