São Paulo, terça, 15 de dezembro de 1998

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SEPULTURA EM LONDRES
Grupo leva escola de samba hardcore ao Astoria

SÔNIA MAIA
especial para a Folha, em Londres

Durante três dias, de 25 a 27 de novembro, os shows do Sepultura e do Slayer dominaram a cena da área central de Londres -uma das mais concorridas, a da estação de metrô Tottenham Court Road.
Desde o primeiro dia, cambistas disputavam o público já dentro da estação.
Alguns chegavam a comprar os nada baratos bilhetes de metrô para buscar o cliente ainda na escada rolante que leva até as catracas de Tottenham.
Eles não apenas vendiam os ingressos, que estavam esgotados havia mais de três semanas, como também se dispunham a comprar.
A disputa se repetia ao longo do trajeto até a porta do clube Astoria, a menos de cinco minutos a pé daquela estação.
Lá, eles dividiam o espaço com os vendedores ambulantes de camisetas, metade carregando as estampas do Sepultura, metade as do Slayer.
A expectativa gerada na rua por esses personagens se confirmava dentro do Astoria. Com capacidade para 2.000 pessoas, a casa ficou lotada todas as noites de jovens rockers, em sua maioria ingleses, vestidos a caráter: metade com as camisetas do Slayer, metade com as do Sepultura na versão Copa do Mundo, nş 10 nas costas, devidamente pirateadas pelos camelôs.
Depois da apresentação da banda armênia-americana System of a Down, a platéia se comprimia no espaço para conferir os brasileiros em sua nova formação.
² Escola de samba hardcore
O tema mais sinistro de "Laranja Mecânica" serviu de mote para a abertura do show, seguido da bateria de Igor Cavalera e o peso da conhecida massa sonora do Sepultura.
O show foi ousado. Eles optaram pelo repertório do último CD, "Against", desde a música-título, passando por "Choke", "Old Earth", "Common Bonds" e "Floaters in Mud", que contou com a participação de todo o backstage no palco, munido de tambores extras para garantir o clima de escola de samba hardcore.
O novo vocalista, Derrick Green -quase dois metros de altura, cabelos alongados pelos dreadlocks e uma voz gutural bem ao gosto do hardcore nova-iorquino-, foi duas vezes apresentado à platéia.
A ousadia da banda não se ateve, no entanto, ao repertório, ainda pouco conhecido da platéia.
O Sepultura mostrou um experimentalismo de hospício dado pelo guitarrista Andreas Kisser, misturado à percussão ora baião, ora samba, ora puramente tribal de Igor Cavalera.
Foi apenas nos antigos sucessos, como "Chaos" e "War for Territory", deixados para o final do show, que se sentiu a falta de um elemento da antiga formação: a guitarra de Max Cavalera.
Mas, na contabilidade final, o público descobriu que mais ganhou do que perdeu com a tumultuada e chorosa separação.
No caso dos ingleses, em vez de um show em Londres do Sepultura, ganharam duas apresentações comandadas por três dos mais talentosos artistas do gênero: Igor Cavalera, Andreas Kisser e Max Cavalera, que fez um único show com seu atual Soulfly em 19 de maio deste ano no mesmo Astoria, com ingressos igualmente esgotados.
²
Estratégia
No segundo dia do Sepultura e do Slayer, um cambista usava o nome da banda brasileira como mote de venda. O legendário Slayer entrou com o som mais alto e luzes mais potentes.
Seria o medo de se ver na mesma situação do Sodom, quando o Sepultura, ainda galgando os primeiros degraus da fama, roubou a platéia dos alemães?
O nome do Slayer é incomparável ao sucesso talvez passageiro de um Sodom. Mas a estratégia de marketing do Sepultura foi a mesma.
Temeroso de enfrentar uma exigente platéia européia só com as próprias pernas, uniu-se ao Slayer para garantir uma turnê sem surpresas desagradáveis.
Agora eles devem saber que nem precisariam ter usado desse artifício. De Londres, seguiriam para Suécia, França e Praga, depois de uma turnê por cidades dos EUA.



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