São Paulo, quarta-feira, 16 de janeiro de 2002

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TEATRO

Consuelo revira gavetas

A dramaturga Consuelo de Castro lança um olhar para 40 anos de carreira em 56 de vida, comemorados hoje

Caio Guatelli/Folha Imagem
Consuelo de Castro, que faz hoje 56 anos de idade e 40 de carreira e celebra com livro em abril


FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

A dramaturga Consuelo de Castro não gosta de gavetas. Aos 56 anos, 40 de carreira -as duas datas comemoradas hoje-, diz: "Só escrevo quando eu sinto que vai ter possibilidade de ser montado. Acho gaveta uma coisa infernal. A coisa mais humilhante que tem é você fazer um trabalho que virou laborterapia".
No caso de Consuelo, gaveta serve para ser revirada. É o que ela faz ao receber a Folha na sala cor-de-laranja de seu apartamento, para falar do duplo aniversário -as datas coincidem desde 1962, quando estreou na literatura com os poemas de "A Última Greve".
A autora completa a comemoração em abril, mês previsto para a publicação, pela Funarte, de três volumes, sob o título provisório de "Consuelo de Castro: Teatro Quase Completo", em que faz um balanço de sua obra dramática.
Para o livro a autora selecionou 18 peças (leia quadro nesta página), que qualifica de "as mais representativas", das cerca de cinco dezenas que escreveu. "Joguei fora uma porção."
Não é a primeira vez que Consuelo de Castro faz o esforço de amarrar sua produção numa antologia. Em 1989, lançou pela editora Perspectiva "Urgência e Ruptura", com oito de suas peças, além de prefácios e textos críticos.
Na apresentação da antologia, o crítico Yan Michalski (1931-1990) ponderava que a idéia de um "ciclo parece inteiramente inapropriada" no caso da dramaturga. "Um ciclo sugere uma figura geométrica que se fecha em si mesma, ou pelo menos tende a esse fechamento."
Mas, como ela já dizia no mesmo "Urgência e Ruptura" e repete hoje, o que ela não gosta de fechar são os baús que guardam os restos de suas produções, uma vez desmontadas.
"Não tem nada mais triste do que ver sua cena sendo encaixotada. Aquilo que era um sol ou uma montanha vira um pano, que se enrola e guarda dentro de um caixote."
A busca por uma permanência não é, no entanto, o único motivo para a nova antologia. "Teatro Quase Completo" nasceu de outra questão que incomoda Consuelo: por que é tão difícil o reconhecimento do autor no Brasil, mesmo para quem, como ela, é objeto de teses mundo afora?
Querendo achar a resposta, o futuro livro terá uma parte dedicada só a estudos universitários sobre a obra da dramaturga -uma maneira de dizer ao público brasileiro que o autor, ainda se não aparece no palco ou no vídeo, merece respeito.
Ver que a obra de Consuelo de Castro é tão extensa e debatida faria supor que ela sempre se dedicou a escrever. Isso é verdade e mentira. Guardadas as proporções, podemos dizer que o teatro entrou "tarde" na vida da autora. E "pela porta dos fundos", como diz ela mesma.
Foi em 1967 que a então estudante de ciências sociais escreveu "Prova de Fogo", nas coxias de um teatro do Rio de Janeiro.
Incentivada pelo dramaturgo Plínio Marcos (1935-1999), que a convidara para ser contra-regra na montagem carioca de "Quando as Máquinas Param", Consuelo de Castro esboçava sua estréia nos palcos.
"O Plínio me colocou nos fundos do teatro, com uma máquina de escrever. Eu comecei a escrever lá, ele corrigia. Voltei para a faculdade e a ocupação [do prédio da Universidade de São Paulo na rua Maria Antônia" estava no auge."
Transpor o conflito da vida real para os palcos lhe valeu a censura integral do texto -era já 68, vigia o AI-5. A briga entre os censores e Consuelo de Castro duraria todo o período do movimento militar.
Para Michalski, em 89 a carreira da autora se parecia mais com "uma seta que aponta para o desconhecido". Pelo jeito, ainda é assim: Consuelo parece gostar do novo e, certamente, do que é intenso: fala bastante, fuma e escreve quase sem parar. Além de ter equilibrado múltiplas atividades -foi publicitária e editora, além de escrever para a TV.
Há três anos, descobriu-se empreendedora, ao produzir "Only You". Gostou da sensação de "autonomia", de não depender de "terceiros" para tirar seus trabalhos da gaveta. Para 2002, vai atrás de outra novidade: lançar-se na direção, com um de seus novos textos, "Pedra de Tropeço".
Num esforço, resume: "Eu gosto de mim no teatro. É o melhor de mim, onde me sinto mais íntegra. Meu rosto bonito é o teatro".



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