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CRÍTICA
História precisava ser contada, mas escorre pelo ralo
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Não é difícil entender porque
"Em Nome de Deus" ganhou o Leão de Ouro em Veneza.
Competições cinematográficas
são no mínimo complicadas e,
quando aparece um filme assim,
"acima de qualquer suspeita", júris tendem a tomar a decisão menos polêmica, aquela que dificilmente será contestada.
Trata-se de um filme-denúncia.
Conta uma história obscura da Irlanda católica, daquelas que o
mundo precisava conhecer: uma
história de mulheres oprimidas,
mantidas como escravas em um
convento de freiras perversas. Como "ser contra" um filme desses?
Mas, é claro, não se trata aqui de
ser contra ou a favor. O fato é que
"Em Nome de Deus" teria muito
mais impacto se o diretor Peter
Mullan (o ótimo ator de "Meu
Nome É Joe", de Ken Loach) não
se tivesse deixado levar pela facilidade da denúncia pela denúncia.
Ele explora as características mais
evidentes de sua "história real" e
faz questão de sublinhar o óbvio.
O filme nos conta que, na Irlanda, em pleno século 20 (a ação se
passa em 1964), mulheres consideradas pecadoras eram enviadas
para conventos, onde trabalhavam sem qualquer remuneração e
eram submetidas a toda sorte de
humilhações. No prólogo, vemos
três jovens: Margaret foi estuprada pelo primo; Rose, mãe solteira,
acaba de ter um filho que é entregue para a adoção contra sua vontade, e Bernadette, órfã, sorri para
rapazes no orfanato, e por isso é
considerada pecadora.
Vê-se, a partir daí, todo tipo de
brutalidade. As freiras se valerão
do exercício dos pequenos poderes (a humilhação pública, o tratamento inferiorizado) até a violência mais brutal. Suicídio, loucura
e revolta ocasional são as únicas
opções daquelas jovens, que vivem o inferno na Terra.
Peter Mullan não se contenta
em mostrar, ele precisa comentar
o que mostra. Então, focaliza a
frase "Deus é justo", encravada na
parede do convento. Está dizendo: "que ironia". Dá um close nas
mãos da freira que conta o dinheiro avidamente enquanto ela passa
um sermão moralista em suas escravas brancas. "Quanto cinismo." Ao mesmo tempo, evita os
temas mais difíceis, como a repressão sexual e a contextualização política, que passam quase
despercebidos. E é assim, então,
que um grande tema, "uma história que precisava ser contada", se
dilui e escorre pelo ralo.
Em Nome de Deus
The Magdalene Sisters
Produção: Irlanda/Reino Unido, 2002
Direção: Peter Mullan
Com: Geraldine McEwan, Dorothy Duffy
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Villa-Lobos e circuito
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