|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA/ESTRÉIA
"EM NOME DE DEUS"
Diretor mostra a opressão nas irmandades religiosas
Peter Mullan apresenta feridas da Irlanda católica
ROCÍO GARCÍA
DO "EL PAÍS"
É difícil imaginar Peter Mullan
abandonando sua luta e sua militância. Na profissão ou na vida. E
não com os ventos belicosos que
sopram. Em seus filmes, esse ator
e diretor escocês de 49 anos oferece bons e estimulantes exemplos.
O mais recente surge em "Em
Nome de Deus", seu segundo longa como diretor, que lhe valeu o
Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2002 e no qual abre os velhos cárceres da Igreja Católica na
Irlanda em uma homenagem valente e apaixonada às 30 mil mulheres que viveram um autêntico
pesadelo neles, por anos.
Na vida, o faz freqüentemente.
Quando fala da escalada bélica,
não tem dúvida do papel que os
cineastas deveriam desempenhar
nessa situação. "Temos a obrigação de tentar descobrir e ensinar
às pessoas onde fica a raiz disso
tudo, e relembrar ao público o valor da vida humana. Chegamos a
um estado em que a vida de um
europeu ou norte-americano vale
muito mais que a de qualquer outro cidadão. De alguma maneira,
precisamos, como cineastas, lembrar aos europeus que a vida humana é importante", afirmou.
Como as vidas das 30 mil mulheres recolhidas aos conventos
de santa Madalena na Irlanda, dirigidos por freiras católicas. Lá, as
meninas enviadas por suas famílias ou orfanatos viviam encerradas, muitas por toda a vida, obrigadas a trabalhar em condições
deploráveis e sem remuneração
para expiar seus pecados, como o
de serem mães solteiras, o de terem sofrido estupro ou o de serem femininas demais.
O filme, que estréia hoje no Brasil, relata a história de quatro meninas sofrendo terror, violência e
humilhação nesses conventos, o
último dos quais foi fechado em
1996. "Todas as sobreviventes
com quem conversei depois da
estréia do filme, sem exceção, me
disseram o mesmo: obrigado por
ter feito esse filme, mas a realidade era muitíssimo pior."
Mullan estabeleceu um paralelo
interno entre as vidas trágicas das
jovens irlandesas e a situação em
que viviam as mulheres no Afeganistão do Taleban. "Redigir o roteiro coincidiu com uma campanha de protesto que eu e amigos
realizamos, enviando cartas a
parlamentares britânicos sobre a
condição das mulheres afegãs sob
o Taleban. São situações perfeitamente comparáveis."
Todos os acontecimentos narrados em "Em Nome de Deus"
são verdadeiros, mas os personagens são fictícios.
A reação da Igreja Católica ao
filme variou amplamente, de
acordo com o diretor. "Em Veneza, o condenou. Depois, quando
estreou na Irlanda, houve total silêncio. E na Escócia, a Igreja Católica o recomendou aos católicos.
Desconheço os motivos da mudança, não sei é uma tática ou um
legítimo ato de contrição."
No filme, Mullan se reservou
um papel pequeno e duro, como
pai de uma das meninas e responsável por encerrá-la no convento.
"Em muitos sentidos, o pior
opressor de alguém é a pessoa
mesma. Creio que esses lugares
não teriam podido existir sem a
cumplicidade das vítimas. O verdadeiro cárcere estava em suas
mentes. Era uma opressão que a
Igreja Católica e a Irlanda conseguiam impor às famílias, que reprimiam a si mesmas. Não fosse
assim, que pai levaria a filha a um
lugar como esse?"
Tradução Paulo Migliacci
Texto Anterior: Erika Palomino: Fashionistas se jogam na moda de inverno Próximo Texto: Crítica: História precisava ser contada, mas escorre pelo ralo Índice
|