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ARTIGO
Enquanto isso, no Brasil...
ALAIN FRESNOT
especial para a Folha
Sábado foi entregue pela primeira vez o Grande Prêmio Cinema Brasil, no Palácio Quitandinha em Petrópolis. A iniciativa da
Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura propõe "celebrar" o renascimento do cinema
brasileiro e transformar esse prêmio, pela sua organização e ambição, em "Oscar" do nosso cinema.
A iniciativa é importante e pode
ajudar na consolidação da atividade nesse momento em que parte da imprensa se assanha contra
o cinema e que os resultados da
captação das leis de incentivo
apontam para uma baixa da produção.
O cenário da festa não poderia
ser mais apropriado. O cinema
brasileiro tem tradição de Quitandinha. Vários filmes foram feitos
lá no tempo já da chanchada.
Dentre muitas sequências notáveis, lembro de uma (por ter visto
bem mais tarde, claro) do "Homem do Sputnik", de 1954, de
Carlos Manga, salvo engano rodada lá, em que Norma Bengell
faz uma imitação hilária e antológica de Brigite Bardot.
Outra função básica do prêmio
é revelar à mídia os aspectos positivos de nosso trabalho e reduzir à
sua real dimensão as denúncias
de casos isolados de possíveis desvios de verbas de produção. Parte
da imprensa, felizmente minoritária, usa os casos de Norma Bengell e de Guilherme Fontes para
destilar seu ressentimento contra
o cinema brasileiro
A nossa indústria do audiovisual não corresponde à importância que o Brasil tem na economia
mundial. As exportações brasileiras representam algo próximo a
1% do comércio internacional.
Em várias áreas, as exportações
têm presença marcante, lideranças expressivas e projetos de desenvolvimento.
Em função do déficit público, as
autoridades estão atentas à concorrência internacional, à capacidade de produção e à infra-estrutura.
O fato de o cinema brasileiro
não corresponder em nada às outras atividades econômicas é fruto
da fragilidade crônica da indústria cinematográfica no Brasil,
que, como os outros cinemas nacionais, vive em constante disputa com o cinema norte-americano
pelo seu mercado. Luta desigual,
pois o cinema de Hollywood tem
um ganho de "escala" que impõe
ao resto do mundo um permanente estado de "resistência".
Hoje, no cinema brasileiro, a
curva de público é ascendente, a
produção está aumentando e em
cinco anos já competimos a vários prêmios internacionais. Todos os indicadores são positivos.
Nos primeiros anos da década
de 90 a produção era inexistente,
nula. Obra do governo Collor de
Mello. Em 99 houve algo como 25
filmes lançados e uma participação de 8% do mercado.
O "lobby" que ressuscitou o cinema brasileiro foi liderado pelos
produtores. A reconquista foi facilitada pela importância histórica que o cinema teve no passado
aliada à sensibilidade cultural dos
governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Essa variação da presença do cinema brasileiro nas telas é a melhor prova de que a existência de
uma produção de cinema no país
é consequência direta da política
cultural implementada pelo governo federal. Foi com grande satisfação que li, em editorial deste
jornal no último dia 2, que a Folha entendeu essa realidade.
Com o desmantelamento total
dos organismos públicos do cinema, como o Concine e a Embrafilme nos anos 80, o governo perdeu
os quadros, "desaprendeu" a realidade do mercado cinematográfico e seu processo de reaprendizado é muito lento.
Como pão de pobre cai com a
manteiga para baixo, várias mortes prematuras vieram debilitar o
nosso já frágil cinema. Quanto
mais passa o tempo, mais salta
aos olhos a perda que significou a
morte do professor Paulo Emílio
Salles Gomes. Falta hoje uma reflexão, uma avaliação do papel
que o Estado vem desempenhando na produção, suas limitações e
como seguir fortalecendo.
Hoje, com honrosas exceções, o
despreparo da crítica é grave.
Há falta de revistas especializadas, os críticos são mal formados
e mal pagos, e isso é também uma
fragilidade do cinema brasileiro.
Há poucos pesquisadores e estudiosos. Prevalece a crítica filme a
filme e solidariedades fáceis de
geração. As editorias de cultura
substituíram a participação na
discussão dos rumos da arte brasileira por um tacanho jornalismo
"pseudo-investigativo".
Em cinco anos, recuperamos
uma parcela da produção: 25 filmes/ano. É muito pouco. A França produz 140 filmes/ano, a Espanha, 80. Esse renascer se deve basicamente à Lei do Audiovisual,
ao esforço e à mobilização dos
produtores e de Luiz Carlos Barreto em particular.
Hoje, as leis de incentivo estão
fragilizadas, precisam ser reformuladas e duas forças podem
derrubar o renascimento do cinema: O Estado, se não efetivar com
urgência os próximos passos necessários, ou os incomodados, se
forem vitoriosos na cristalização
do conceito de que a aplicação da
renúncia fiscal é desnecessária
culturalmente e socialmente injusta se aplicada ao cinema.
É evidente a recuperação do
prestígio dos nossos filmes. O ressuscitar do cinema brasileiro é
um dos feitos de que o governo
pode se orgulhar, mas as circunstâncias específicas do último fim
de ano e a crise geral tornam o futuro da produção incerto.
Há urgência urgentíssima do
aprimoramento dos mecanismos
para não involuirmos rapidamente.
O risco que corremos hoje como atividade é o mesmo que em
grande parte causou a derrocada
em 90, a desunião. O cinema de
autor evita qualquer concessão,
qualquer pretensão de chegar ao
grande público com o excelente
argumento de que o mercado está
fechado ao filme brasileiro.
Os defensores do cinema comercial apontam o fato, incontestável, de que o filme cultural não
acostuma o público ao filme brasileiro e que "queima o filme"
com investidores e exibidores por
não dar nenhuma real perspectiva de retorno. Fato é que os "cinemas" que compõem a atividade
são as várias facetas de uma indústria e devem se reforçar mutuamente.
O mecanismo da renúncia fiscal
tende a privilegiar os filmes "empreendimento". Raros são os investidores capazes de avaliar um
projeto de filme em todas suas dimensões, e a obsessão em eliminar os riscos tende a "aguar" o resultado. Frequentemente esse filme fracassa, e isso vai "desimportando" culturalmente os filmes
com o enfraquecimento da justificativa da existência da lei.
O aspecto cultural, a defesa da
língua, a dimensão do país e a história do cinema brasileiro são
motivos suficientes para se desenvolver e proteger a atividade ou o
mercado dominado e selvagem é
soberano? As decisões que neste
ano deverão ser tomadas no cinema serão resultado direto do
quanto o governo acredita na necessidade de uma força reguladora num mercado sem regras.
Quanto mais, melhor fará. Quanto menos, pior.
Nos anos 60, o professor Jean-Claude Bernardet percebeu com
clareza que a elite brasileira rejeitava o cinema nacional por não
suportar a própria imagem, o reflexo de si mesma nas telas. Hoje,
curiosamente, quer o reflexo, pois
a inexistência de um cinema nacional seria a manifestação pública de nosso subdesenvolvimento.
Queremos o reflexo mas sem o
espelho. Queremos a forma sem o
fundo. Enquanto a existência do
cinema nacional depender da auto-imagem de seus políticos dirigentes e não houver consenso na
totalidade do espectro político e
na sociedade civil, imprensa inclusa, como há hoje na França,
nos EUA ou na Espanha de que
um cinema nacional é necessidade básica da cultura do país, cineastas e produtores seremos
sempre suspeitos e pedintes.
Alain Fresnot é diretor de "Lua Cheia" e "Ed
Mort" e produtor "Castelo Rá-Tim-Bum" e
"Através da Janela".
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