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ANÁLISE
Projeto da emissora sofre com formato, mas quadro de comentaristas e linguagem inovadora são pontos positivos
"Jornalismo público" da Cultura exige esforços
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O projeto "jornalismo público" da TV Cultura entra
hoje em sua segunda semana. O
objetivo de produzir um noticiário televisivo "independente do
poder e do mercado", "voltado
para o cidadão" e que "privilegia a
compreensão do fato" só pode receber incentivo e estímulo.
O resultado visto na tela nas primeiras cinco edições da nova fase
do "Diário Paulista" e do "Jornal
da Cultura" comprova que há
empenho sincero da equipe liderada por Marco Antonio Coelho
Filho, mas muito esforço ainda a
ser feito até chegar aos ambiciosos resultados propostos.
O modelo do "espetáculo" do
telejornalismo que a Cultura pretende combater está enraizado
demais em quem produz e consome informação pela televisão no
Brasil.
A tendência de quem pretende
superá-lo costuma ser encompridar os programas (os dois jornais
dobraram seus 30 minutos anteriores), as unidades que os compõem e a pretexto de seriedade
torná-las mais chatas. Quando isso ocorre, a conseqüência é perda
de público.
Esse é um risco que a proposta
da Cultura terá de superar se quiser dar certo. Há matérias longas
demais que nem sempre cumprem o propósito explícito de
"trazer a reflexão e o aprofundamento das histórias de interesse
público".
No "Diário Paulista" de terça-feira passada, por exemplo, o interessante tema do veto da prefeita de São Paulo a um projeto de lei
aprovado pela Câmara para pôr
fim ao sacrifício de animais, embora tenha mostrado os dois lados da questão, deixou de responder a perguntas essenciais como
se é possível fazer pesquisa médica sem usar bichos. Na mesma
edição, reportagens sobre falta de
água e enchente não explicaram
por que elas estão ocorrendo.
Para se contrapor ao excesso de
"fatos negativos" que prevalece
no telejornalismo, "Diário Paulista" pode cair no extremo oposto
de pintar o mundo de cor-de-rosa.
Na quinta-feira, uma reportagem afirmou categoricamente
que a cidade de Santos resolveu o
problema do transporte público,
hipótese contestada por muitos
dos quem moram ou visitam a cidade, como contraditoriamente a
própria matéria documenta.
Além disso, é preciso resolver
erros técnicos ostensivos demais,
que ocorreram durante a semana
de estréia do projeto, como anúncio de reportagens que não entravam no ar no momento previsto
ou entravam com atraso. A informalidade do competente trio de
âncoras é positiva, mas não suficiente para garantir qualidade ao
programa.
O "Jornal da Cultura" atual
também padece de dificuldades
semelhantes. O papel de Celso
Zucatelli, o terceiro apresentador
que dialoga com Heródoto Barbeiro e Márcia Bongiovanni, ainda precisa ser definido além de ele
passear pelo estúdio e não usar
paletó. A idéia é que ele dê coerência às notícias, mas isso ainda não
está sendo feito com clareza.
As entrevistas de Barbeiro são
mais longas do que as habituais
na TV, mas talvez ele possa ser
mais combativo no questionamento dos convidados do que foi
na semana passada para oferecer
aos espectadores mais debate do
que exposição de idéias.
Linguagem inovadora
No prato dos pontos positivos
da balança estão as intervenções
dos comentaristas de temas específicos (economia, jurídico, esportes), a reflexão sobre o papel
dos veículos de comunicação no
caso do menino Iruan e o ótimo
quadro "Blog do Tas", este sim
protótipo auspicioso de linguagem telejornalística inovadora,
atraente e crítica.
Enfim, uma semana é muito
pouco para traçar juízo definitivo
sobre o que advirá desse corajoso
desafio. São conhecidas as limitações orçamentárias e as complicações políticas que a TV Cultura
enfrenta, o que torna a audácia
dos dirigentes do seu jornalismo
ainda mais admirável por terem
se proposto a uma tarefa tão difícil num momento particularmente complicado da vida da emissora.
Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, livre-docente, doutor e mestre em Comunicação, é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
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