São Paulo, Terça-feira, 16 de Fevereiro de 1999
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Blue Note

CARLOS CALADO
especial para a Folha

Raras marcas conseguiram tamanha identidade com um gênero musical. Nos anos 50, a Blue Note virou quase sinônimo de jazz. E até hoje, aos 60 anos, o selo norte-americano enfrenta poucos concorrentes capazes de igualar sua indiscutível influência no setor.
Não é à toa que muitos ainda o vêem como o grande selo do jazz moderno. Além de criar um padrão sonoro, a Blue Note ofereceu condições para que vários astros do gênero, como Thelonious Monk, Bud Powell, Sonny Rollins e Jimmy Smith, gravassem ali alguns de seus melhores discos.
Nos EUA, os festejos começaram em janeiro. Uma série de 27 concertos, em clubes de jazz de Nova York, destacou dezenas de músicos do elenco atual da Blue Note. Em abril e maio, outras 20 cidades norte-americanas estarão na rota de uma turnê com os jazzistas mais jovens do selo. No mercado internacional, dois lançamentos marcam o aniversário: em edição limitada, a caixa "The Blue Note Years" resume a história do selo, em 14 CDs; outra caixa reúne os sete álbuns que Herbie Hancock gravou pelo selo, nos anos 60 (leia crítica nesta página). A EMI brasileira ainda não decidiu se vai lançá-las.
A história da Blue Note está ligada à figura de Alfred Lion, um judeu alemão fanático por jazz, que se radicou em Nova York, em 1938, para fugir dos nazistas. Meses depois, teve a grande idéia: após assistir a um concerto dos pianistas Albert Ammons e Meade Lux Lewis, saiu deslumbrado do Carnegie Hall, pensando como poderia gravar um disco com eles.
Em 6 de janeiro de 1939, lá estava Lion, na porta de um pequeno estúdio, esperando a dupla para a gravação. Acostumados ao jogo duro das gravadoras, os pianistas mal puderam acreditar: além de tempo para ensaio, ainda foram recebidos com bebidas e boa comida -algo raríssimo na época.
O tratamento especial parece ter ajudado. Contagiados pela atmosfera de camaradagem, Ammons e Lewis retribuíram com performances admiráveis. E as primeiras críticas, todas positivas, acabaram atraindo os fãs. A Blue Note já começou com razoável sucesso.
Lion sabia exatamente o que pretendia. Poucos meses depois, distribuiu um folheto em que explicitava o conceito do novo selo. "Os discos da Blue Note estão preocupados em identificar impulsos (do jazz), não seus adornos comerciais ou sensacionalistas." Mais uma vez, a crítica e os fãs aplaudiram.
Ainda em 39, Lion convenceu o fotógrafo e amigo de infância Francis Wolff a se tornar seu sócio. Mas o "time dos sonhos" só se completou nos anos 50, com a chegada do engenheiro de som Rudy Van Gelder e do designer Reid Miles. Se este conseguiu traduzir visualmente o clima das gravações nas sofisticadas capas dos LPs, Van Gelder criou um padrão sonoro de altíssimo nível. A partir da segunda metade dos anos 50, a Blue Note viveu sua década de ouro. O elenco do selo passou a destacar músicos jovens que logo estariam ditando os novos rumos do jazz, como Horace Silver, John Coltrane, Herbie Hancock e Cecil Taylor.
Já em 1966, cansados e doentes, Lion e Wolff decidiram vender a Blue Note para a Liberty Records, precipitando seu declínio. Sem a orientação de seus criadores, o selo acabou abrindo as portas para tendências mais comerciais, como o jazz-rock e a fusion.
Um longo período de semi-ostracismo terminou, enfim, em 1985, com a incorporação do selo ao grupo EMI. Uma série de edições e concertos comemorativos, comandados pelo jazzófilo Bruce Lundvall (presidente do selo até hoje) reativou a Blue Note, resgatando seu status no mercado.
Dois casos mostram que o selo soube se adaptar aos novos tempos. Foi na Blue Note que a cantora Cassandra Wilson atingiu o grande público, ao injetar pop em seu jazz sofisticado, depois de passar sete anos gravando por um selo alternativo europeu.
Outra sacada foi a abertura do precioso acervo do selo aos samples e ritmos eletrônicos da banda inglesa de jazz-rap Us3, o que resultou no maior sucesso desse filão musical até hoje. A sexagenária Blue Note não perdeu seu faro.


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