|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Blue Note
CARLOS CALADO
especial para a Folha
Raras marcas conseguiram tamanha identidade com um gênero
musical. Nos anos 50, a Blue Note
virou quase sinônimo de jazz. E até
hoje, aos 60 anos, o selo norte-americano enfrenta poucos concorrentes capazes de igualar sua
indiscutível influência no setor.
Não é à toa que muitos ainda o
vêem como o grande selo do jazz
moderno. Além de criar um padrão sonoro, a Blue Note ofereceu
condições para que vários astros
do gênero, como Thelonious
Monk, Bud Powell, Sonny Rollins e
Jimmy Smith, gravassem ali alguns
de seus melhores discos.
Nos EUA, os festejos começaram
em janeiro. Uma série de 27 concertos, em clubes de jazz de Nova
York, destacou dezenas de músicos do elenco atual da Blue Note.
Em abril e maio, outras 20 cidades
norte-americanas estarão na rota
de uma turnê com os jazzistas mais
jovens do selo. No mercado internacional, dois lançamentos marcam o aniversário: em edição limitada, a caixa "The Blue Note
Years" resume a história do selo,
em 14 CDs; outra caixa reúne os sete álbuns que Herbie Hancock gravou pelo selo, nos anos 60 (leia crítica nesta página). A EMI brasileira
ainda não decidiu se vai lançá-las.
A história da Blue Note está ligada à figura de Alfred Lion, um judeu alemão fanático por jazz, que
se radicou em Nova York, em 1938,
para fugir dos nazistas. Meses depois, teve a grande idéia: após assistir a um concerto dos pianistas
Albert Ammons e Meade Lux Lewis, saiu deslumbrado do Carnegie
Hall, pensando como poderia gravar um disco com eles.
Em 6 de janeiro de 1939, lá estava Lion, na porta de um pequeno estúdio, esperando
a dupla para a gravação.
Acostumados ao jogo duro das gravadoras, os pianistas mal puderam acreditar: além de tempo para ensaio,
ainda foram recebidos com bebidas
e boa comida -algo
raríssimo na época.
O tratamento especial parece ter
ajudado. Contagiados pela atmosfera de camaradagem, Ammons e
Lewis retribuíram com performances admiráveis. E as primeiras
críticas, todas positivas, acabaram
atraindo os fãs. A Blue Note já começou com razoável sucesso.
Lion sabia exatamente o que pretendia. Poucos meses depois, distribuiu um folheto em que explicitava o conceito do novo selo. "Os
discos da Blue Note estão preocupados em identificar impulsos (do
jazz), não seus adornos comerciais
ou sensacionalistas." Mais uma
vez, a crítica e os fãs aplaudiram.
Ainda em 39, Lion convenceu o
fotógrafo e amigo de infância
Francis Wolff a se tornar seu sócio.
Mas o "time dos sonhos" só se
completou nos anos 50, com a chegada do engenheiro de som Rudy
Van Gelder e do designer Reid Miles. Se este conseguiu traduzir visualmente o clima das gravações
nas sofisticadas capas dos LPs, Van
Gelder criou um padrão sonoro de
altíssimo nível. A partir da segunda metade dos anos 50, a Blue Note
viveu sua década de ouro. O elenco
do selo passou a destacar músicos
jovens que logo estariam ditando
os novos rumos do jazz, como Horace Silver, John Coltrane, Herbie
Hancock e Cecil Taylor.
Já em 1966, cansados e doentes,
Lion e Wolff decidiram vender a
Blue Note para a Liberty Records,
precipitando seu declínio. Sem a
orientação de seus criadores, o selo
acabou abrindo as portas para tendências mais comerciais, como o
jazz-rock e a fusion.
Um longo período de semi-ostracismo terminou, enfim, em
1985, com a incorporação do selo
ao grupo EMI. Uma série de edições e concertos comemorativos,
comandados pelo jazzófilo Bruce
Lundvall (presidente do selo até
hoje) reativou a Blue Note, resgatando seu status no mercado.
Dois casos mostram que o selo
soube se adaptar aos novos tempos. Foi na Blue Note que a cantora
Cassandra Wilson atingiu o grande público, ao injetar pop em seu
jazz sofisticado, depois de passar
sete anos gravando por um selo alternativo europeu.
Outra sacada foi a abertura do
precioso acervo do selo aos samples e ritmos eletrônicos da banda
inglesa de jazz-rap Us3, o que resultou no maior sucesso desse filão
musical até hoje. A sexagenária
Blue Note não perdeu seu faro.
Texto Anterior: Joyce Pascowitch Próximo Texto: Caixa lembra o "jovem" Hancock Índice
|