São Paulo, Terça-feira, 16 de Fevereiro de 1999
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TEATRO
Espetáculo interativo promovido por dez ONGs apresenta histórias reais de pessoas obrigadas a pedir asilo
Refugiado é a estrela de peça em Paris

Capucine Kling/Divulgação
Campo de refugiados reproduzido na peça interativa "Uma Viagem Diferente das Outras", que apresenta histórias reais de exilados


MARIANA SGARIONI
de Paris

Aubin, 27, é um estudante ruandês tutsi que teve sua família assassinada a golpes de facões no genocídio em seu país, em 94, que deixou um saldo de cerca de 800 mil mortos. Ameaçado pela etnia rival, o único jeito de Aubin sobreviver é pedir asilo na França.
Assim como a de Aubin, outras 11 histórias reais são expostas aos espectadores que vão assistir à peça interativa "Uma Viagem Diferente das Outras", em cartaz em Paris. Os "viajantes" são convidados a escolher um personagem e embarcar na sua trajetória de refúgio, desde a saída de seu país de origem até sua entrada na França.
Aproveitando o cinquentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em dezembro do ano passado, dez ONGs (organizações não-governamentais) que trabalham pela defesa dos refugiados no mundo -entre elas a Anistia Internacional- resolveram montar o espetáculo.
O objetivo da peça é o de mostrar ao público as causas e consequências do exílio e a situação dos refugiados no mundo.
Além disso, são apresentadas, de maneira interativa, todas as dificuldades pelas quais um exilado passa: a fuga de seu país, o trânsito em um campo de refugiados, a chegada à França, o início do processo burocrático do pedido de asilo e o reconhecimento -ou não- de sua qualidade de refugiado pelo Estado francês.
Cerca de 20 atores acompanham e abordam os visitantes durante o percurso do espetáculo. Eles encarnam soldados do país de origem, companheiros no campo de refugiados, policiais do controle de fronteiras, funcionários públicos franceses, entre outros.
A primeira etapa da viagem é a mudança de identidade. Após conhecerem a história do personagem escolhido e consultarem o contexto político do país de origem, os espectadores tiram fotografia e ganham seu passaporte para sair do país.
A partir de agora, cada um passa a ser o estudante ruandês Aubin, ou Tarik, um curdo do Iraque perseguido por Saddam Hussein, ou Vesna, uma bósnia aterrorizada por croatas, ou ainda Luis, um homossexual colombiano. Ninguém consegue receber seus documentos sem antes ser insultado e ameaçado pelos funcionários encarregados dos passaportes.
Cada viajante deve ler as instruções que vão aparecendo no percurso de seu personagem. Durante o trajeto, eles são confrontados com todos os tipos de dificuldades e são interpelados em todos os momentos pelos atores.

Tratamento nada exemplar
O espetáculo faz uma crítica à recepção que os refugiados têm na França. Apesar de o país contar com o Ofpra (Órgão Francês de Proteção aos Refugiados e Apátridas), o tratamento que um exilado recebe dos policiais e funcionários públicos na pátria dos direitos humanos não é nada exemplar.
Os exilados que pedem proteção na França devem cumprir um complexo procedimento antes de conseguir o "certificado de refugiado" do Ofpra. Segundo a ONG França Terra do Asilo, que costuma acolher os refugiados, a burocracia pode durar dois anos. Caso o certificado seja negado, a pessoa deve deixar o país em um mês.
O curdo Tarik, por exemplo, um dos personagens da peça, teve um final nada animador. Após longos meses de espera, seu certificado foi negado. Ele teve de voltar para o Iraque, onde foi preso e estaria sendo torturado até hoje pelas autoridades do governo de seu país.

Peça: Uma Viagem Diferente das Outras Onde: parque de la Villette (221, av. Jean Jaurès, Paris) Quando: até 4 de abril


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