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OSCAR 2001
"ANTES DO ANOITECER"
Longa de Julian Schnabel faz autobiografia do perseguido escritor cubano Reinaldo Arenas
Busca por liberdade vira forma de resistência
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
A julgar pela sua recente e
inspirada carreira de cineasta, o americano Julian Schnabel,
50, "enfant terrible" do mercado
de arte nova-iorquino nos anos
80, tem uma queda pela vida de
artistas.
Seu filme de estréia, "Basquiat",
de 1996, contava a história trágica
do pintor Jean-Michel Basquiat,
morto em 1988, aos 28 anos. "Antes do Anoitecer", seu segundo filme, premiado no Festival de Veneza, é baseado na extraordinária
autobiografia do escritor cubano
Reinaldo Arenas (1943-1990), publicada em 1994 pela Record com
o título "Antes Que Anoiteça".
Schnabel faz da vida de Arenas
(interpretado pelo excelente Javier Bardem, indicado ao Oscar
de melhor ator pelo papel) uma
representação da liberdade. Na
medida em que a liberdade não
pode ser concebida em si, mas
apenas em contraposição à sua
falta, pelo que ela não é.
"Antes do Anoitecer" confirma
a idéia de que, quanto maior a originalidade da obra, maiores as
chances de o artista ser ignorado
ou perseguido e de sua vida se tornar um inferno. Arenas pagou caro por seus livros não serem
iguais aos outros: o exercício da
sua liberdade foi a sua condenação.
Nascido numa família pobre, o
escritor passou a infância no campo, aliou-se aos rebeldes revolucionários na adolescência e acabou tornando-se uma figura indesejável sob o regime de Fidel, ao
mesmo tempo em que escrevia, às
escondidas e sem conseguir publicar em Cuba, obras-primas como "O Mundo Alucinante"
(1966).
Perseguido por ser homossexual declarado, enquanto funcionários e autoridades do regime faziam o que queriam por baixo do
pano, Arenas passou um ano na
prisão em 1974 e mais outro num
campo de trabalhos forçados. Em
1980, conseguiu embarcar para a
Flórida, entre "outros homossexuais, delinquentes e doentes
mentais", no chamado êxodo do
porto de Mariel. Doente de Aids,
suicidou-se dez anos depois, em
Nova York, onde também não encontrou a liberdade.
A maior originalidade do filme
de Schnabel foi servir-se da autobiografia do escritor para filmar a
liberdade como impossibilidade
trágica da qual o artista não abdica apesar de tudo. Em 1987, ao
tentar definir por que escrevia,
Arenas declarou ao jornal francês
"Libération": "Seguimos (...) alguma coisa misteriosa que desejamos dominar e à qual -precisamente por ser impossível- dedicamos a nossa vida. (...) A arte só
pode estar engajada com a liberdade; (...) em essência, quase todo
escritor é um dissidente".
Logo na primeira parte do filme,
quando o jovem autor encontra
José Lezama Lima, um dos maiores nomes da literatura cubana do
século 20, o escritor experiente lhe
diz sobre o regime castrista: "A
beleza é o inimigo, porque é ingovernável". E não é um mero acaso
que a extraordinária liberdade
que a obra de Arenas manifesta e
exige seja imediatamente relegada a segundo plano quando lhe
outorgam uma menção honrosa e
não o prêmio principal no concurso em que inscreve seu primeiro romance.
A vida e a obra de Reinaldo Arenas associam liberdade e minoria.
O filme de Schnabel não podia ser
mais fiel ao escritor ao dar a entender que a liberdade é sempre
resistência, por ser o oposto do
consenso.
Antes do Anoitecer
Before Night Falls
Direção: Julian Schnabel
Produção: EUA, 2000
Com: Javier Bardem, Olivier Martinez,
Andrea di Stefano, Johnny Depp
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes, Jardim Sul, Espaço Unibanco, Top
Cine e circuito
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