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OSCAR 2001
"TRAFFIC"
Obra de Soderbergh amplia conceitos do tráfico
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
A esta altura, já não se esperava nada do Oscar nem de
Soderbergh. O primeiro tem nos
contemplado com uma série vergonhosa de abacaxis. O segundo
não dirigiu nada de memorável
desde "sexo, mentiras e videotape", que nem é tão memorável assim, incluindo aí o precário "Erin
Brockovich". "Traffic" é, portanto, uma dupla surpresa. Um bom
filme e um candidato ao Oscar.
É estranho que não tenha um título brasileiro. Talvez por pedantismo, por ignorância, talvez apenas por medo da imprensa, que
vive atacando os títulos brasileiros que julga inadequados, mas
não acha nada estranhos que filmes estrangeiros sejam lançados
com seus títulos originais.
Pode existir uma quarta razão: a
palavra tráfico, tradução evidente
para "Traffic", está desgastada,
devido ao seu uso e a sua associação a filmes que pouco ou nada
dizem a respeito do tráfico.
Talvez por isso seja o caso de
agradecer a "Traffic" por ampliar
esse conceito. Pois ao final da projeção o que nos perguntamos é:
"O que é o tráfico, afinal?".
Ele continua sendo, claro, o ato
de produzir, transportar e negociar ilicitamente substâncias entorpecentes. Mas pode ser algo
mais, e é nisso que reside o interesse desse trabalho.
O principal vem do roteiro, e
dos dois plots que desenvolve simultaneamente: de um lado, o
dos EUA, existe um juiz rigoroso
(Michael Douglas), que assume a
direção da repressão ao tráfico; de
outro, o do México, um policial
honesto (Benicio Del Toro), também lotado no combate aos entorpecentes.
Do lado americano da fronteira
desenham-se alguns subplots que
ajudam a dar interesse ao filme: a)
a filha adolescente de Michael
Douglas é viciada; b) a mulher de
um chefão (Catherine Zeta-Jones)
vê-se subitamente na pobreza e
toma algumas providências interessantes diante disso.
Alguns outros subplots são convencionais: uma testemunha que
é protegida pela polícia passa pelos riscos habituais; um general
que comanda a repressão aos tóxicos no México é um corrupto
(de acordo com o filme, aliás, a
honestidade é uma exceção no
México -e entenda-se, por extensão, na América Latina).
Embora alterne momentos de
maior e menor interesse, o roteiro
de "Traffic" tem o mérito de mostrar o tráfico não como aberração,
e sim como um sistema organizado, de natureza capitalista, integrado ao mundo em que vivemos
e cujos lucros são proporcionais
aos riscos -isto é, enormes.
Isso é muito interessante, pois
temos visto as políticas antidrogas fracassarem rotundamente,
entre outras pela incapacidade de
compreender o que se está combatendo. Combatem-se pessoas
-traficantes, produtores-, mas
não as drogas propriamente ditas.
Nesse sentido, o núcleo mais rico do filme é, sem dúvida, o de
Michael Douglas, pois o envolvimento de sua filha com entorpecentes não se dá por nenhum desses clichês em que Hollywood é
pródiga (pais separados, infelicidade doméstica etc.). Trata-se de
uma garota normal, boa aluna,
com pais casados direitinho e tudo mais.
Ela -e o estranho personagem
de Del Toro- é que nos lançam
uma outra hipótese, que é a função do tráfico, como rede que estabelece um diálogo subterrâneo
entre instâncias que não se comunicam ou se comunicam muito
mal: pais e filhos, ricos e pobres,
os comuns e os poderosos, EUA e
México etc.
Isto é, embora trate dos entorpecentes, em um nível, em outro é
a incapacidade das sociedades
contemporâneas em promover o
diálogo entre seus membros o real
-e mais interessante- assunto
deste filme.
Não será de estranhar que, a horas tantas, o juiz Michael Douglas
se dê conta de que a expressão
"guerra ao tráfico" não significa
quase nada. E que, se quiser a sério combater os tóxicos, será preciso descobrir o que são e para o
servem. E, nesse campo, tudo ainda está por ser feito.
Traffic
Traffic
Direção: Steven Soderbergh
Produção: Alemanha/EUA, 2000
Com: Michael Douglas, Catherine Zeta-Jones, Benicio Del Toro
Quando: a partir de hoje nos cines
Butantã, Cinearte, Eldorado, Lumière,
Market Place Cinemark e circuito
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