São Paulo, sábado, 16 de março de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"TIBET, NO CORAÇÃO DO HIMALAIA"

Quando o Tibete não é auto-ajuda

JAIME SPITZCOVSKY
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Poucos são os livros sobre o Tibete que, nas lojas, não terminam nas prateleiras de auto-ajuda, condenados a dividir espaço com textos de seriedade duvidosa. Outra característica recorrente em livros sobre a região do dalai-lama é a indisfarçável militância antichinesa, tratando quase sempre a questão tibetana apenas pelo prisma da disputa entre os budistas e o regime de Pequim. Em "Tibet, no Coração do Himalaia", a fotógrafa e artista plástica Cláudia Proushan deixa de lado os aspectos mais mercadológicos e mais políticos, para privilegiar imagens de uma das fatias mais fotogênicas do planeta.
O Tibete "abre os nossos sentidos", escreve Cláudia num dos parcos textos de um livro basicamente fotográfico. Continua ela: "O contato com a sua tintura viva representou um divisor de águas no meu trabalho de fotógrafa e artista plástica. Tudo ali é clareza e vastidão". A artista sustenta que, por conta da influência exercida pelos tibetanos, "cores mais definidas também começaram a aparecer nas aquarelas".
Cláudia Proushan fez três viagens ao Tibete entre os anos 80 e 90, em busca de "aperfeiçoamento artístico e espiritual". Embora o seu livro destoe da maré de best-sellers que transformam ensinamentos tibetanos em produtos de venda fácil, Cláudia evidencia desde o início sua simpatia pelo budismo, que passou a conhecer melhor ao acompanhar, em viagem, o lama (sacerdote budista) Gangchen Rimpoche.
O lama Gangchen, num texto em "Tibet, no Coração do Himalaia", destaca o fato de o trabalho de Cláudia ter "contribuído para despertar o povo da América do Sul para a importância da antiga cultura espiritual da Ásia". E, num outro trecho, revela uma espécie de sincretismo alimentado pela autora: "Ela ainda conseguiu integrar com êxito a sabedoria do Himalaia a sua herança judaica".
Entre fotos e aquarelas e com um prefácio do compositor norte-americano Philip Glass, "Tibet, no Coração do Himalaia" monta um atraente mosaico do "teto do mundo". Mas, ao derramar o foco sobre a etnia tibetana, deixa de lado a questão da tomada do território pelos chineses, praticamente ignorada nas páginas do livro. No leitor, pode despertar a curiosidade sobre a convivência entre as duas populações, como interagem, com suas tensões e disputas.
Dar pouca ênfase à questão política desponta como um acerto de Cláudia, evitando que seu livro caia na vala comum da intensa militância anti-Pequim. Mas registrar cenas prosaicas do cotidiano de tibetanos e de integrantes da etnia han (grupo a que pertence a maioria dos chineses) teria sido uma interessante dádiva jornalística, que jogaria luzes num aspecto raramente explorado na maioria das obras sobre o Tibete.
O regime comunista chinês ocupou militarmente a região a partir de 1950, e a resistência local se apóia na figura do dalai-lama, líder do budismo tibetano, Prêmio Nobel da Paz de 1989 e que vive exilado na Índia.
Cláudia Proushan, em "Tibet, no Coração do Himalaia", montou um mosaico do "teto do mundo" que não precisou se apoiar na reverenciada figura do dalai-lama. A fotógrafa preferiu destacar cenas do cotidiano e da população. Também assim conseguiu escapar do lugar-comum.


Tibet, no Coração do Himalaia     
Autor: Cláudia Proushan
Editora: lançamento independente
Quanto: R$ 63
Onde comprar: livraria Spyro (0/xx/11/ 3085-8855) e na loja Essencial (0/xx/11/ 3168-5601)




Texto Anterior: "O último lugar da Terra": Jornalista relata os bastidores da corrida pela conquista do pólo
Próximo Texto: Resenha da semana
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.