São Paulo, sábado, 16 de março de 2002

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CINEMA

Francês exibe "Laissez-Passer" e leva mensagem de apoio aos argentinos

Crise leva Tavernier a Mar del Plata

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A MAR DEL PLATA

Certo de que o 17º Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata "enfrentaria momentos difíceis", em razão da crise argentina -e por isso mesmo-, o diretor francês Bertrand Tavernier, 60, decidiu aceitar o convite para participar da mostra que se encerra hoje, exibindo fora de concurso "Laisser-Passer".
"Eu havia sido convidado outras vezes, mas penso que é em ocasiões como esta, e não nas especialmente boas, que se deve participar", disse.
Com "Laisser-Passer", Tavernier quis fazer o exercício de transportar-se para outro tempo (os anos 40, da ocupação alemã na França, durante a Segunda Guerra), como forma de testar hipoteticamente convicções éticas e respostas comportamentais, além de render homenagem a um de seus ídolos -o roteirista Jean Aurenche.
"Queria perguntar a mim mesmo o que eu faria nessa situação", diz, referindo-se ao foco e ao pano de fundo do filme: a produção cinematográfica do período, realçada nas figuras de Aurenche e do diretor Jean Devaivre, em cujo livro de memórias o roteiro do filme se baseia.
Devaivre é um dos profissionais que durante a ocupação estiveram a serviço do estúdio Continental, de origem alemã, mas instalado na França. As atividades do estúdio eram supervisionadas por Goebbels, o chefe da propaganda nazista.
"Goebbels era um homem com idéias muito inteligentes sobre o cinema. Recomendava à Continental que não realizasse filmes demasiadamente nacionalistas, mas sim fitas de diversão, nulas em conteúdo, que fizessem os franceses dormir", diz Tavernier.
O que fascina o diretor é "o inexplicável da existência de certas ordens que não se cumprem durante a guerra" e o fato de que o período nazista tenha sido profícuo em "obras-primas". ""O Corvo" (1943), de Henri Georges Clouzot pode ser tudo, menos um filme sem conteúdo."
O título "Laisser-Passer" (Deixar Passar), que pretende remeter à superação do período em que a Franca esteve subjugada, não é exatamente do agrado do diretor. "Nunca estive totalmente satisfeito com ele." Mas foi mantido "por insistência do distribuidor francês e à falta de outro melhor", diz. Já a crítica francesa encontrou no filme muito mais reparos a fazer. Reprova-se a "defesa de uma concepção clássica de cinema" e uma excessiva condescendência com os colaboracionistas. "Isso é falso, idiota e absurdo", disse Tavernier.
"Não pretendi dar nenhuma lição dogmática sobre cinema. O filme não defende uma forma de cinema, mas sim gente que tenta lutar. Esse tipo de interpretação é típico de gente incapaz de compreender que podemos fazer um filme sobre pessoas completamente diferentes de nós."
Tavernier argumenta que embora seu filme se debruce sobre o cinema clássico -"O único que se fazia àquela época"- "foi filmado num estilo totalmente oposto ao dos anos 40 e está muito mais influenciado por diretores contemporâneos, como Robert Altman". "Se você puder me apontar, entre a produção dos anos 40, um filme cujos protagonistas não se encontram em uma única cena, será um achado sensacional para todas as cinematecas do mundo."
O cineasta diz que "Laisser-Passer" "nega completamente essa construção narrativa que conduz a uma apoteose dramática, o clímax, característico de todos os filmes da época".
Tavernier é um dos convidados para a cerimônia de encerramento do Festival de Mar del Plata, esta noite, quando será entregue o troféu Ombú de Ouro ao melhor filme da competição e exibido o longa argentino "La Soledad Era Eso" (A Solidão Era Isso), de Sergio Rénan.


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