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DISCO/CRÍTICA
Ternura vai além da dureza do hip hop
DA REPORTAGEM LOCAL
Sedento de veículos de
expressão, Ferréz visita
agora um clichê da periferia
paulistana: o hip hop.
Deve causar desconfiança,
até porque recusa vários dos
cânones duros do movimento. Para começar, incorpora
a um gênero musical segregado e segregador dois ícones da MPB "cabeça".
Produz nas faixas com Arnaldo Antunes e Chico César
dois dos melhores momentos de "Determinação", não
só pela qualidade das músicas mas também pela quebra de preconceitos que elas
representam.
Samplers de Renato Russo, Cazuza e Adriana Calcanhotto povoam "29 de Dezembro", e Ferréz sabe que
pode ser proscrito por isso,
do lado de lá como do de cá.
Tentando ser literário,
confina os momentos de rap
tradicional às faixas "Capão
Pecado" e "Judas". Nas demais, pratica variedade, seja
fazendo rhythm'n'blues (em
"Frio por Dentro") ou funk à
moda de Isaac Hayes ("Determinação"), seja cumprindo crítica ácida às religiões
("Ouça Minha Voz"). "Morra em nome de Deus", finca,
após lamentar carnificinas
de católicos, protestantes,
judeus e palestinos.
Outro paradigma vencido
é o da dureza violenta do
rap. Ferréz quer trazer ternura ao Capão Redondo ("o
fundo do mundo", segundo
ele), quer levar ternura do
Capão Redondo para o outro lado da redoma invisível.
O lado terno aparece na
voz de garoto de três anos
("não é meu parente, odeio
nepotismo"), em "29 de Dezembro". "Eu moro no Capão Redondo, amo o meu
pai, amo a minha mãe", ele
balbucia, transpirando orgulho ainda não profanado.
A ternura -e não a violência- vai explodir na última faixa, "Eu Queria Ter e
Ser", em que o menino crescido Ferréz faz um inventário de seus desejos. E libera o rap
para expressar amor, solidão, sonho, fantasia.
(PAS)
Determinação
Artista: Ferréz
Lançamento: Caravelas
Quanto: R$ 30, em média
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