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Faces da morte
Após criar obras com animais em formol, Damien Hirst expõe nos EUA série de pinturas realistas sobre viciados e atentados
CAROL VOGEL
DO "NEW YORK TIMES"
Na manhã do último dia 10, cerca de 30 colaboradores de Damien Hirst trabalhavam freneticamente na galeria Gagosian, em
Nova York. Alguns cambaleavam
pela galeria carregando telas
enormes, debatendo onde colocar
os quadros. Outros, curvados sobre longas mesas de trabalho, nervosamente envernizavam telas
para que estivessem prontas para
o vernissage, no dia seguinte.
Não parecia diferente dos preparativos para qualquer exposição de Hirst, exceto pelas imagens
exibidas: uma série perturbadora
de uma viciada em crack se deteriorando à medida que o vício se
agrava; um corredor vazio de hospital; a mão enluvada de um cirurgião sobre uma bandeja que
abriga um cérebro fatiado; uma
vista próxima de pílulas dentro de
um armário de remédios; uma tela mostrando as conseqüências
horripilantes de um atentado suicida em Bagdá; o retrato de um
arruaceiro torcedor de futebol
com o rosto gotejando sangue.
"É tudo bem desafiador", disse
Frank Dunphy, o gerente comercial de Hirst. "Não é o tipo de quadro para pendurar sobre o sofá."
Mas não é que, em termos gerais, esses temas sejam estranhos
para Hirst, famoso por expor tubarões e gado dentro de tanques
de formol. A grande diferença é
que suas obsessões agora se traduziram em pinturas de realismo
fotográfico, algo inédito no repertório do artista de 39 anos.
Naquela mesma tarde, todos os
30 quadros da mostra "The Elusive Truth" [a verdade fugaz] -a
primeira do artista nos EUA em
quatro anos-, que fica em cartaz
até 23 de abril, estavam vendidos,
segundo Larry Gagosian, o dono
da galeria. Os preços variavam de
US$ 250 mil (R$ 688 mil) para as
peças menores a US$ 2 milhões
(R$ 5,5 milhões) para as maiores.
Mas a galeria não será o único
lugar em Manhattan a abrigar
seus trabalhos. No final de semana passado, "The Virgin Mother"
[a mãe virgem], escultura em
bronze de 11 m de altura, foi instalada no pátio da Lever House, na
Park Avenue, entre as ruas 53 e 54.
Uma gigantesca paródia da famosa escultura de uma jovem
dançarina feita por Degas, a versão de Hirst está em estágio de
gestação e, de um dos lados do
corpo, a pele foi retraída, expondo
ossos, tecido muscular e o feto no
ventre. A peça foi vendida à Lever
House na semana passada.
Hirst literalmente veste seu fascínio pelo macabro. Ao entrar na
galeria Gagosian, ele usava jeans e
um casaco cinzento de flanela
com um crânio colorido nas costas. Sob o casaco, uma camisa decorada por outro crânio colorido.
Um dos mais importantes
membros do grupo conhecido
como YBA ou Young British Artists [jovens artistas britânicos] e
ganhador do Prêmio Turner de
1995, Damien Hirst se delicia em
chocar seus leitores com obras
que incluem animais mortos.
Entre as mais conhecidas, além
das criaturas em formol, temos
vacas putrefatas posicionadas para simular uma cópula, vermes
atacando a cabeça de uma vaca,
gabinetes de remédios cheios de
centenas de vidros e caixas de medicamentos, pinturas de pontos e
rabiscos coloridos e telas com
borboletas de verdade afixadas.
"Estava ficando entediado com
os animais mortos", disse Hirst,
embora sorrisse diante da menção da recente venda de um de
seus tubarões em formol ao bilionário Steven A. Cohen por US$ 8
milhões (R$ 22 milhões).
"Tenho pensado muito em pintura", diz o artista. Com o passar
dos anos, segundo ele conta, acumulou cerca de mil imagens fotográficas que capturaram sua imaginação, oriundas principalmente
de revistas e jornais.
Mas, inicialmente, a idéia de
quadros ao modo do fotorrealismo o intimidava. Quando começou a sério, cerca de três anos e
meio atrás, percebeu o motivo.
"Comecei pintando com um
compressor de ar, mas as imagens
pareciam mortas, planas. Durante dois anos, não acreditei que isso
fosse dar certo."
Por fim, afirma, se disciplinou
para representar cada imagem
fielmente, à mão livre. Ainda assim, não se vê como pintor sério.
"Eu me sentiria desconfortável se
me incluísse na mesma categoria
de pintores como Goya ou Bacon", afirma. "As imagens me interessam mais do que a pintura."
Hirst também se importa em
transmitir mensagens contraditórias. O retrato do torcedor de futebol arruaceiro, por exemplo, é um
tanto vago. "Você vê o sangue,
mas não sabe se ele é a vítima ou o
responsável", afirma. "Devemos
amá-lo ou odiá-lo?", pergunta.
Também gosta de contração de
cenas como sua pintura de um
corredor de hospital vazio. "É tanto apavorante quanto confortador", afirma o britânico.
Admite prontamente que, como no caso de muitos dos artistas
que fazem carreira hoje em dia,
embora suas mãos estejam envolvidas em todos os quadros, alguns
de seus assistentes -a maioria
dos quais artistas treinados-
realizam parte das pinturas por
ele: "Tenho uma ótima equipe".
Gastronomia
Ao longo dos anos, Hirst também ganhou notoriedade como
projetista e sócio do Pharmacy,
um restaurante em Notting Hill,
em Londres, para o qual projetou
tudo, da decoração -quadros de
borboletas e gabinetes de remédios com portas de vidro- aos
bancos em formato de comprimidos de aspirina usados no bar,
caixas de fósforos ilustradas com
instrumentos cirúrgicos e porcelana com o logotipo da casa.
Após o fechamento do local, em
2003, ele guardou tudo, e as peças
foram leiloadas em 2004 pela Sotheby's de Londres, arrecadando
US$ 20 milhões (R$ 55 milhões),
com investidores de todo o mundo disputando um pedaço do que
já foi visto como um dos lugares
mais modernos de Londres.
Hirst diz que não desistiu dos
restaurantes. Está negociando a
abertura de dois outros, um perto
da galeria Gagosian, em Britannia
Street, Londres, e outro em Paris,
na Fundação François Pinault de
Arte Contemporânea, edifício de
40 mil metros quadrados projetado por Tadao Ando que deve ser
inaugurado em 2007 na Île Seguin, no Sena. (Pinault, magnata
dos produtos de luxo, colecionador e proprietário da casa de leilões Christie's, é um grande fã do
trabalho de Hirst, e especialistas
em arte contemporânea dizem
que está entre os compradores
das obras expostas na atual mostra da Gagosian.)
"Quando o Pharmacy fechou,
me senti fracassado", disse Hirst.
"Queria ver se conseguia manter
um restaurante de sucesso." Já
pensou nos nomes para as duas
novas casas: Insomnia e Amnesia.
Tradução Paulo Migliacci
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