São Paulo, domingo, 16 de março de 2008

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Obra de Amado foi acusada de populista e conservadora

DA ENVIADA À BAHIA

O fato de ter sido o escritor brasileiro mais conhecido mundo afora e o mais vendido e popular aqui não bastou para que se produzisse uma unanimidade crítica a favor de Jorge Amado em seu próprio país. Muito pelo contrário.
Traduzido para dezenas de línguas e um dos primeiros a chegar a países do Leste Europeu, à China e à ex-União Soviética -por sua filiação ao stalinismo e ao comunismo, durante a primeira fase da carreira-, Amado foi bastante contestado no Brasil.
Nos anos 70, enquanto parte da intelectualidade de esquerda elogiava as mensagens políticas de seus livros, outra o condenava por apaziguar as diferenças sociais do Brasil, ao elogiar uma mestiçagem mansa, a sensualidade "cravo e canela", a promiscuidade sem conflito de classes (vide seus coronéis e prostitutas) e promover a glamourização da pobreza.
Hoje, porém, é o tom de condescendência que prevalece. A professora titular de teoria literária da USP Walnice Nogueira Galvão, por exemplo, que em seu livro "Saco de Gatos" (1976) acusava o progressismo de Amado de ser populista e sexista, agora prefere reforçar sua importância como "um luminar" do regionalismo.
"Depois dele, cresceu no Brasil a importância da literatura metropolitana, que predomina até hoje. Dessa vertente, o novo luminar seria o Rubem Fonseca", disse à Folha.
Ela ainda identifica influências amadianas nos atuais romances urbanos: "Coisas marcantes na sua obra e que se vêem hoje são a crueza, o hiper-realismo e o relevo do baixo corporal", conclui.
O escritor Milton Hatoum, que assina o novo posfácio de "Capitães da Areia", acha que o preconceito com relação a escritores regionais como Amado "era forte, mas se apagou". "Ou os leitores o derrotaram. Amado é ainda o nosso autor mais lido. Algumas críticas à linguagem e à composição dos romances são válidas. Mas são raros os romances perfeitos. Quem tentou desqualificar a prosa de Amado se danou."

Lugar da crítica
O professor de teoria literária da Unicamp Alcir Pécora acha que a grande discussão sobre Amado a ser feita agora é sobre a mudança do olhar da crítica. "Os que falavam mal já não têm coragem de fazê-lo hoje", diz.
Pécora diz que nunca se comoveu pela obra do baiano. "Sempre achei a linha narrativa muito formular. Era eficiente, havia habilidade literária, mas o tipo de enredo que criava se resolvia muito facilmente."
Para ele, a obra "Dona Flor e Seus Dois Maridos" é o que melhor revela o aspecto negativo de sua literatura. "Ali está o marido certinho, que é chato, e o malandro, que é esperto e sexual. E o que parece contradição a princípio caminha para a conciliação desses dois elementos que comporiam o brasileiro. Esse esforço de conciliação que ele buscava é nitidamente conservador."
Pécora diz que sua obra fomentou "um populismo erótico da Bahia", assim como o Rio teria optado pelo elogio ao malandro. "São modos de resolver contradições de um modo muito fácil, evitando o conflito." (SC)


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