São Paulo, segunda, 16 de março de 1998

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TIM MAIA
Artista estava a anos-luz de seu folclore

SÉRGIO MARTINS
especial para a Folha

Ele era canário do reino, cantava em qualquer lugar - e como cantava. O artista Tim Maia está a anos-luz de distância daquele sujeito folclórico, que vociferava contra o jabaculê das rádios, faltava a shows e apresentações de TV e, quando comparecia, brigava com o operador de som.
Vocalista excepcional, Tim inventou a soul music e o funk tipicamente brasileiros e cavou no grito a sua escalação no time dos grandes astros da MPB das últimas três décadas.
Os quatro álbuns que o cantor gravou pela PolyGram nos anos 70 -e que hoje estão fora de catálogo em CD por causa de uma briga dele com a gravadora- são básicos para se entender a importância do artista.
Neles, Tim cruzou de maneira original o funk e o soul com a linguagem brasileira ("Coroné Antônio Bento", "A Festa do Santo Reis"), mostrou que as canções clássicas nem sempre são as que possuem as letras mais complicadas ("Você", "Primavera") e ensinou aos colegas de trabalho como se canta: para fora, com os plenos pulmões -uma lição que não foi de todo absorvida, já que um de seus jargões mais frequentes era "brasileiro não sabe cantar".
Tim nasceu Sebastião Rodrigues Maia em 28 de setembro de 1942.
Décimo-oitavo de uma família de 19 irmãos, ele arrumou seu primeiro emprego ainda na infância. Entregava marmitas de comida que sua mãe, dona Maria Imaculada Maia, fazia. Foi assim que ele conheceu o amigo Erasmo Carlos, na época um dos fregueses de dona Imaculada.
Aos 15 anos, em 1957, Tim partiu para a sua primeira experiência musical: montou o grupo The Sputiniks, que trazia Roberto Carlos nos backing vocals. "Seríamos os Beatles brasileiros", recorda Tim.
Os Sputiniks não conquistaram o espaço e o cantor resolveu desbravar os Estados Unidos. Desembarcou em Nova York no ano de 1959 com 12 dólares no bolso e uma história falsa, dizendo que era estudante.
Na cidade, adotou o nome de Jimmy, aprendeu inglês perfeito e virou vocalista do grupo The Ideals -com quem gravou um disco, em 1964. No mesmo ano, foi pego com um cigarro de maconha. Conclusão: seis meses de detenção e deportação para o Brasil.
A volta para casa foi dolorosa. Enquanto seus amigos da época - Erasmo e Roberto, Jorge Ben Jor- faziam sucesso, ele teve de recomeçar do zero.
Trabalhou como guia turístico, cantou no grupo Os Dominós e foi preso novamente, dessa vez por furto. "Fui roubar umas cadeiras que estavam dando sopa e dancei", conta. Quando saiu, tentou em vão reatar a amizade com os camaradas dos Sputiniks. "Fui bater à porta do Roberto Carlos e só ganhei uma bota."
O calvário terminou apenas em 1970, quando ele lançou seu disco de estréia pela PolyGram. Puxado pelo hit "Primavera", o álbum ficou 24 semanas em primeiro lugar e vendeu mais de 200 mil cópias -um recorde para a época. Vieram outros discos bem-sucedidos, até que Tim resolveu entrar numa seita mística, chamada Universo em Desencanto.
"Eu tomava muito ácido, queria ir para o Tibete", justificou anos mais tarde. Tim meditava num sítio localizado em Nova Iguaçu (zona norte do Rio), mas não deixou de lado a parte musical.
Gravou dois discos e quatro compactos em nome da seita, contendo canções louvando a natureza e um soul lisérgico de fazer inveja a qualquer George Clinton da vida.
O desencanto com a religião foi rápido -"quando cheguei lá, vi que o negócio era umbanda, candomblé, baixo espiritismo"- e Tim voltou a oferecer o que tinha de melhor: canções pop da melhor qualidade. Foi assim com "Tim Maia Disco Club", disco que ele gravou pela Warner em 1979 -e que tinha sucessos do quilate de "Sossego", "Acenda o Farol" e "A Fim de Voltar". Ele era genial mesmo em seu período mais escasso de criatividade. Protagonizou um histórico dueto com Sandra de Sá ("Vale Tudo", um funk furioso, hoje reduzido a mero jingle de loteria) e dignificou as babas radiofônicas de Michael Sullivan e Paulo Massadas ("Me Dê Motivo", "Um Dia de Domingo" -esta cantada ao lado de Gal Costa).
As décadas de 80 e 90, porém, foram injustas com o talento do cantor. O Tim desbravador de ritmos e canário do reino deu lugar ao artista folclórico, que faltava a shows e entrava e saía de gravadoras com a mesma velocidade que fazia um lanchinho.
Em 1993, foi proibido de cantar na TV Globo depois de dar cano no "Domingão do Faustão".
Tim ainda deixou para a posteridade alguns dos melhores ditados do pop nacional.
Número um: "O Brasil é o país do jabaculê."
Número dois: "Eu não fumo, não cheiro, não bebo. Só minto um pouquinho" (essa, frequentemente dita com um cigarro de maconha em uma das mãos).
Número três: "Obrigado. Com esse dinheiro vou comprar um aparelho da Sony" (ao receber o Prêmio Sharp).
A eterna briga com as gravadoras foi resolvida com a criação do selo Vitória Régia -"o único que paga aos domingos, depois das 21h."
Por ele, o cantor gravou clássicos da bossa nova -que ele dizia serem "para sacanear o João Gilberto". E como um James Brown caboclo, Tim se tornou o maior trabalhador do showbiz brasileiro.
Só no ano passado foram quatro discos, em que se destacam uma parceria com o grupo Os Cariocas e clássicos da soul music revisitados -como "Wonderful World", de Sam Cooke, e "On Broadway", dos Drifters.
Apelidado de síndico pelo amigo Jorge Ben Jor, ele pensou em se candidatar a uma vaga no Senado. "Vou fundar o PLG. Partido da Liberação Geral." Que belo político ele seria!
Tim Maia morre e deixa os filhos José Carlos, Telmo e Márcia Leonardo.
A sua maior herança, porém, fica por conta da dezena de artistas que gravaram -e gravam- Tim Maia.
Dos Paralamas (que resgataram "Você", em 1986), Marisa Monte (que cantava "Não Quero Dinheiro" na turnê "Mais", em 1991 -e que volta e meia recebia telefonemas de agradecimento do cantor em plena madrugada) a Lulu Santos, que fez sucesso ao regravar "Descobridor dos Sete Mares" para um recente comercial de chinelo. E até mesmo o sobrinho Ed Motta, um desafeto recente, mas que teve em Tim o melhor professor de música que poderia conceber.


Sérgio Martins é editor da revista "Showbizz"



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