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RUMO AO PARAÍSO
Adversidades não impediram produção
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
Se 1997 havia sido um ano trágico para a MPB (a morte de Chico
Science e os discos de Gil, Caetano
e Gal), o horizonte não se prenuncia menos negro para 98 (a morte
de Tim Maia e os discos vindouros
da mesma tríade).
Lutando contra inacreditáveis
adversidades -falta de gravadora, processos movidos por músicos e problemas de saúde-, Tim
Maia conseguia produzir com alguma regularidade, embora com
qualidade oscilante. Alguns de
seus discos dos 90 sofreram visivelmente da falta de recursos: ou
foram produzidos pelo próprio
cantor, ou tiveram músicas concebidas para uso de poucas horas de
estúdio. Além disso, Tim não podia contar com o esquema de distribuição e divulgação das grandes
gravadoras, com quem brigava.
(Não sem motivos. Só a PolyGram lançou, por sua série "Colecionador", toda a obra para o selo
de Tim -e de Ben Jor, Gal Costa e
Gil- sem a anuência dos autores.
Eles receberam quantias irrisórias
por isso, e a gravadora foi impelida a retirar os discos do mercado).
Esses percalços seriam suficientes para fazer de Tim o cantor mais
"underground" da casta mais privilegiada da MPB -aqueles que
tocam em rádio e gravam jingles
para comerciais de sandália-,
mas outras de suas características
contribuíram para que sua partida
seja motivo de extenso luto no
país, a saber:
Dos cantores de black music dos
anos 70, Tim foi o único a sobreviver, mesmo que para isso tivesse
de se submeter às composições de
Sullivan/Massadas. É verdade que
o cenário hoje abre espaço para o
rap, para o balanço de seu sobrinho Ed Motta e até para a neurastenia honesta de Fernanda Abreu,
mas quem é que vai gritar "au, au"
no meio das músicas?
Ninguém, como Maia, soube ser
tão genuína e criativamente incorreto no trato com a imprensa. Lidava com truculência calculada
com jornalistas. Ia a programas
estúpidos, como o "Perfil", de
Otávio Mesquita, não permitindo
que o apresentador falasse; ameaçava judicialmente jornalistas da
mídia impressa que brincavam
com seu proverbial problema de
não ir aos próprios shows. Numa
entrevista ligeira dada a mim numa gravação do programa "Hebe", pediu à secretária que anotasse meu nome, para que posteriormente pudesse me processar;
Era capaz de dedicar uma música como "Me Dê Motivo" ("Me dê
motivo/ Pra ir embora (...) você
pôs tudo a perder/ não podia me
fazer o que fez") ao técnico de som
de um show no Palace em 97, em
São Paulo; cantar fitando-o nos
olhos, em razão da péssima qualidade de som;
Sua incontinência verbal fazia
delatar a si mesmo como usuário
de drogas e sexo pouco convencional, quando não associava a cocaína a práticas homossexuais;
Por esses motivos, e claro, alimentado pelos fatos e pela lenda
de seus bolos, Tim, ao aparecer
nos shows ou em programas de
auditório, era saudado como um
verdadeiro Fidel Castro. Não só
pela eloquência de suas medidas,
mas pelo fato de todos saberem
que ali chegava o melhor e mais
gabaritado animador, farrista e
catalisador de atenções que a MPB
produziu. Já seria o bastante para
reservar-lhe um lugar no Paraíso.
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