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CONCERTO/CRÍTICA
``Paixão'' de J.S. Bach brilha com Herreweghe
MARCELO MUSA CAVALLARI
da Redação
"A Paixão Segundo São João",
de Johan Sebastian Bach, na interpretação de Philippe Herreweghe e
seu Colegium Vocale brilha por
sua dimensão humana. Humilde e
comunitariamente humana.
A peça tem, por si só, essa origem. "A Paixão" é a narrativa da
prisão, condenação, morte e sepultamento de Jesus. Segue a estrutura litúrgica tradicional de dar
as partes do evangelista, de Jesus e
de alguns personagens para cantores solistas, enquanto o coro fica
com as falas coletivas.
Árias e corais com textos escritos
para a peça comentam passagens e
fazem, de certa forma, o papel de
uma pregação cantada. A música
foi feita para ser tocada na Igreja
Luterana. É parte da liturgia da
Paixão. A comunidade que ouve a
Paixão sabe que festejará, em poucos dias, a ressurreição de Cristo.
A música de Bach sabe disso.
Com o caráter retórico que caracteriza a música vocal do barroco, Bach move o ouvinte para a interiorização dos significados da
Paixão e da espera da Páscoa.
Não numa interpretação pessoal
-descabida na ótica de um artista
do barroco-, mas dentro do quadro da visão luterana, que é aquela
em que Bach se movimenta.
Assim, a peça não é um drama
litúrgico, propriamente dito. Não
tem um final dramático, mas um
suave e recolhido apelo pela volta
de Jesus. A música não se pretende
como uma experiência completa.
Apela para a continuidade do ano
litúrgico e, evidentemente, da vida. Fora da sala.
Os instrumentos antigos -flautas de madeira, cordas de tripa, de
sonoridade menos potente-, o
coro pequeno e as vozes sem impostação lírica da interpretação do
Collegium fazem soar tudo isso.
Tudo tem um som de madeira.
Não há mesmo nenhum instrumento de metal. Nem os tubos do
órgão. As vozes, mesmo as solistas, soam com a fragilidade de uma
voz que diríamos comum. Apenas
que está cantando. Não há prodígios. Há gente fazendo música.
O coro, propriamente dito, soa
assustadoramente claro e preciso.
Movimentando-se numa gama de
amplitude restrita, não há nunca
as explosões em fortíssimo que outras versões da Paixão exploram. A
palavra guia toda a interpretação.
Até a preocupação com a dicção
leva a resultados imprevistos, como o caráter percussivo da repetição da frase ``Bist Du Nicht'' nas
várias entradas das vozes do coro.
Werreweghe rege mesmo como
maestro de coro, mais do que de
orquestra. Seus gestos são de
maestro de coro. Às vezes chega a
esquecer a batuta entre o polegar e
a palma da mão para usar os dedos, cacoete de quem normalmente rege só com as mãos.
Dá para, com algum esforço,
imaginar-se em uma igreja luterana da Alemanha do 18. Até com a
colaboração do barítono Jonathan
Brown, que, terminada sua parte,
humana e comunitariamente dormiu, sentado a um canto do palco.
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