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TEATRO
Rosângela Maria Grilo Magalhães, à época estagiária, conheceu paciente no Rio e diz que peça se aproxima do real
Psicanalista reencontra Bispo em cena
DA REPORTAGEM LOCAL
"Mas você sabe como termina a
peça "Romeu e Julieta'? Eles morrem", pondera a estagiária de psicologia. "Claro que conheço. Mas
não quero viver o final. Isso é só
uma representação. Você nunca
foi ao teatro?", responde-lhe Arthur Bispo do Rosário.
Estamos no início dos anos 80,
núcleo Ulisses Viana, Colônia Juliano Moreira, Rio de Janeiro.
Bispo conversa com Rosângela
numa das celas-mundo. Ele queria vestir o manto sagrado e fazer
a passagem, como dizia, ao lado
da mulher para quem canalizou
afeto em meio à esquizofrenia.
O relato consta no livro de Luciana Hidalgo. Bispo brada Shakespeare, um dos autores que devorava, e abre uma das portas para seu universo paralelo: o teatro.
Duas décadas depois, quando
assistiu ao monólogo "Bispo" na
temporada carioca, a hoje psicanalista Rosângela Maria Grilo
Magalhães rememorou, emocionada, a convivência com o paciente que marcaria sua vida para
sempre, e vice-versa.
"Foi uma relação de amor? Foi
terapêutica? O espetáculo de João
Miguel não se preocupa com isso.
Mostra a transformação daquele
homem que se isolava para construir seus objetos e, de repente, se
voltou para aquele mulher que
tratava por santa. Ele fazia a barba, tomava banho, esperava por
ela. Foi uma relação transformadora", afirma Rosângela, 46, paraibana radicada no Rio.
Depois de acompanhar projetos
sobre o mito no cinema ("Arthur
Bispo do Rosário - Prisioneiro da
Passagem", 1983, direção de Hugo Denizart) e no teatro ("Bispo
Jesus do Rosário", 1999, de
Moacyr Góes), Rosângela foi surpreendida pelo monólogo de Miguel, que só conheceria no dia da
estréia, no Rio.
"Ele criou um trabalho tão próximo do real que as pessoas achavam que havíamos conversado.
Fiquei impressionada com sua
sensibilidade. Eu via o Bispo no
olhar dele em cena", diz a psicanalista, que também prepara um
livro, "Eu e o Bispo", título provisório, a sair pela editora Dante.
Antes de conhecer a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá,
João Miguel frequentou o hospício homônimo instalado em Salvador, onde nasceu.
Ensaiou várias vezes entre os internos da instituição baiana. Cristalizou ali a idéia das fitas e cordas, o desfiar do mundo sustentado pela arte-sucata.
Transcendência
"Bispo" abre o céu. Miguel passa boa parte do espetáculo metido
no manto sagrado. "No final, imaginamos fazer a tal passagem profetizada, talvez a transcendência
da catalogação da loucura para o
nível da lucidez do personagem",
afirma Miguel.
O trânsito do seu palhaço Magal
para os desígnios da fé e da visceralidade artística de Arthur Bispo
do Rosário foi natural.
"Eu sempre digo que minha
praia é a criança, o velho e o louco.
O velho provoca a morte, a loucura nos é inerente e a criança é a
memória viva."
É assim que Miguel vem abrindo passagem para o seu teatro. "O
ator é um buscador, aquele cabra
que busca conhecimento de verdade, não a mera teoria; o cabra
que está instigado, que se faz perguntas. Cada um tem o seu caminho, não acredito em uma única
verdade no trabalho de ator", afirma.
(VALMIR SANTOS)
BISPO. Texto e direção: Edgard Navarro e João Miguel. Com: João Miguel. Onde:
Sesc Belenzinho - galpão 1 (av. Álvaro
Ramos, 915, Quarta Parada, SP, tel. 0/xx/
11/6602-3700). 80 lugares. Quando:
estréia no sáb., às 20h30; sáb. e dom., às
20h30. Até 25/5. 50 min. Quanto: R$ 15.
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