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São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2003

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TEATRO

Rosângela Maria Grilo Magalhães, à época estagiária, conheceu paciente no Rio e diz que peça se aproxima do real

Psicanalista reencontra Bispo em cena

DA REPORTAGEM LOCAL

"Mas você sabe como termina a peça "Romeu e Julieta'? Eles morrem", pondera a estagiária de psicologia. "Claro que conheço. Mas não quero viver o final. Isso é só uma representação. Você nunca foi ao teatro?", responde-lhe Arthur Bispo do Rosário.
Estamos no início dos anos 80, núcleo Ulisses Viana, Colônia Juliano Moreira, Rio de Janeiro.
Bispo conversa com Rosângela numa das celas-mundo. Ele queria vestir o manto sagrado e fazer a passagem, como dizia, ao lado da mulher para quem canalizou afeto em meio à esquizofrenia.
O relato consta no livro de Luciana Hidalgo. Bispo brada Shakespeare, um dos autores que devorava, e abre uma das portas para seu universo paralelo: o teatro.
Duas décadas depois, quando assistiu ao monólogo "Bispo" na temporada carioca, a hoje psicanalista Rosângela Maria Grilo Magalhães rememorou, emocionada, a convivência com o paciente que marcaria sua vida para sempre, e vice-versa.
"Foi uma relação de amor? Foi terapêutica? O espetáculo de João Miguel não se preocupa com isso. Mostra a transformação daquele homem que se isolava para construir seus objetos e, de repente, se voltou para aquele mulher que tratava por santa. Ele fazia a barba, tomava banho, esperava por ela. Foi uma relação transformadora", afirma Rosângela, 46, paraibana radicada no Rio.
Depois de acompanhar projetos sobre o mito no cinema ("Arthur Bispo do Rosário - Prisioneiro da Passagem", 1983, direção de Hugo Denizart) e no teatro ("Bispo Jesus do Rosário", 1999, de Moacyr Góes), Rosângela foi surpreendida pelo monólogo de Miguel, que só conheceria no dia da estréia, no Rio.
"Ele criou um trabalho tão próximo do real que as pessoas achavam que havíamos conversado. Fiquei impressionada com sua sensibilidade. Eu via o Bispo no olhar dele em cena", diz a psicanalista, que também prepara um livro, "Eu e o Bispo", título provisório, a sair pela editora Dante.
Antes de conhecer a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, João Miguel frequentou o hospício homônimo instalado em Salvador, onde nasceu.
Ensaiou várias vezes entre os internos da instituição baiana. Cristalizou ali a idéia das fitas e cordas, o desfiar do mundo sustentado pela arte-sucata.

Transcendência
"Bispo" abre o céu. Miguel passa boa parte do espetáculo metido no manto sagrado. "No final, imaginamos fazer a tal passagem profetizada, talvez a transcendência da catalogação da loucura para o nível da lucidez do personagem", afirma Miguel.
O trânsito do seu palhaço Magal para os desígnios da fé e da visceralidade artística de Arthur Bispo do Rosário foi natural.
"Eu sempre digo que minha praia é a criança, o velho e o louco. O velho provoca a morte, a loucura nos é inerente e a criança é a memória viva."
É assim que Miguel vem abrindo passagem para o seu teatro. "O ator é um buscador, aquele cabra que busca conhecimento de verdade, não a mera teoria; o cabra que está instigado, que se faz perguntas. Cada um tem o seu caminho, não acredito em uma única verdade no trabalho de ator", afirma. (VALMIR SANTOS)


BISPO. Texto e direção: Edgard Navarro e João Miguel. Com: João Miguel. Onde: Sesc Belenzinho - galpão 1 (av. Álvaro Ramos, 915, Quarta Parada, SP, tel. 0/xx/ 11/6602-3700). 80 lugares. Quando: estréia no sáb., às 20h30; sáb. e dom., às 20h30. Até 25/5. 50 min. Quanto: R$ 15.


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